RIO - Entre os números alarmantes de cesarianas e o radicalismo em defesa do parto normal, estão as mães. Em dúvida e sofrendo pelo direito à escolha, torcendo para passar por esse momento em segurança com o bebê. Algumas variáveis, no entanto, vêm tornando o parto tão repleto de tabus quanto os de séculos atrás.
O caso mais recente, e que reacendeu a polêmica no Brasil, foi o de Adelir Lemos de Goes, obrigada por liminar da Justiça a ter seu bebê por cesárea em Torres (RS), sob a alegação de que ela e a filha corriam risco. De acordo com Bernardo Campinho, presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ, “a decisão foi arbitrária e abusiva”, já que Adelir não foi ouvida e não se tratava de risco de morte iminente.
O caso de Adelir foi extremo. Mas, sem os holofotes da Justiça, situações como a dela se multiplicam pelo Brasil. O país é, hoje, o campeão de cesariana na América Latina, segundo a Unicef, órgão da ONU para a infância. Apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendar que a cirurgia deve se restringir a 15% dos nascimentos, por aqui, somente na saúde pública, ela representa 53% - ou alarmantes 83,8%, quando se levam em conta os partos feitos por planos de saúde.
Os dados dos hospitais públicos constam da pesquisa “Nascer no Brasil”, realizada pela Fiocruz com 22 mil mulheres entre 2010 e 2013. Já os dos planos foram auferidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em 2011.
- A questão é multifatorial. Não começa com o desejo da mulher. Elas são levadas a acreditar que a cesárea é a melhor opção - afirma a obstetra plantonista Ana Fialho, do Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Holanda, um centro de referência do parto humanizado no Rio.
Outra pesquisa da Fiocruz, “Trajetória das mulheres na definição pelo parto cesáreo”, de 2008, comprova o que Ana diz. Feito com 437 mulheres que deram à luz em duas unidades de saúde suplementar no Rio, o estudo mostra que, no momento inicial da gravidez, 70% das mulheres não tinham a cesárea como preferência. Mas 90% delas tiveram seus filhos por cirurgia - que, em 92% dos casos, foram realizadas antes de a mulher entrar em trabalho de parto.
Os pesquisadores concluíram que, em 91,8%, dos casos a opção pela operação foi inadequada.
Intervenção punida por lei
A cesariana sem consentimento da mulher pode ser considerada umas das causas da violência obstétrica, termo que ganha terreno no Brasil e já tem jurisprudência, com alguns ganhos de causa para as mães.
- Isso começou pela questão financeira, do médico do plano de saúde que ganha pouco e foi fazendo com que a prática se tornasse indiscriminada - avalia Ana. - Por mais que os livros mostrem que o parto normal deve ser a primeira opção, a cesárea acaba se perpetuando também nas faculdades.
A pesquisa da Fiocruz mostrou que os partos cirúrgicos acompanhados tiveram, em 2008, duração média de três horas. Bem mais rápidos que a maioria dos naturais. Segundo Alice Maria, psicóloga clínica e hospitalar, é por isso que o medo do nascimento fisiológico vai sendo incrustado na mulher.
A gerente de loja Fernanda Telles foi uma das muitas brasileiras a receber informações incompletas na hora da escolha. Na primeira gestação, com 16 anos, ela optou pela cesárea. Hoje, 11 anos depois e grávida de Iasmin, vai fazer tudo diferente.
- Na minha primeira gravidez, o médico me induziu. Eu era muito nova, acreditei que seria melhor para mim. Hoje eu quero um parto humanizado, num local onde eu me sinta bem - conta Fernanda. - Eu ia fazer no Maria Amélia, mas, como lá não poderia dormir com o meu marido, optei por fazer em casa.
A escolha de Fernanda ainda é questionada no Brasil.
- Sou radicalmente contra o parto em casa. As enfermeiras obstétricas são perfeitamente capazes de fazer o parto, mas, em caso de complicação, só o médico pode salvar mãe e bebê - ressalta Marcelo Burlá, presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro.
Na Holanda, cerca de 30% dos nascimentos são domiciliares. Pesquisa da Universidade de Amsterdã, de 2013, comprovou que o parto caseiro é mais seguro, principalmente na segunda gravidez. Mas, lá, a enfermeira deixa um hospital próximo de sobreaviso, o que está longe de acontecer no Brasil.
Se, de um lado, há excessos, do outro há o perigo do radicalismo. Em 2000, Vânia Araújo e seu filho Cauê morreram após o parto, pois seu médico, Ricardo Herbert Jones, esperou tempo demais para decidir pela cesárea. Adepto do parto normal, ele foi condenado, cumpriu pena de dois anos e quatro meses de serviços comunitários e pagou multa, mas não foi suspenso. Ele é um dos especialistas a defender o parto natural no documentário “O renascimento do parto”, o segundo mais visto no Brasil em 2013.
Fonte: Jornal Extra
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