Pular para o conteúdo principal

Maior surto de meningite do país, na década de 1970, foi marcado pela desinformação

Foto antiga, publicada no jornal O Estado de São Paulo, mostra fila para vacinação em escola paulista, no ano de 1974. Crédito: Acervo Casa de Oswaldo Cruz










Os surtos de meningite meningocócica C registrados em 2022, na cidade de São Paulo, trazem à memória um episódio que marcou a história do Brasil: a maior epidemia de meningite do país, registrada na década de 1970. Segundo Carlos Fidélis, historiador e pesquisador do Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), os primeiros casos da doença começaram entre 1970 e 1971, em Santo Amaro, região carente da Zona Sul paulista. O pesquisador conta que, na época, a ditadura militar censurava qualquer informação que pudesse comprometer a reputação do governo: ou seja, problemas na saúde pública como esse, não podiam ser tratados na imprensa. Isso facilitou a propagação da infecção, transmitida através de secreções respiratórias, ganhando proporções epidêmicas meses depois.

“Como os dados estavam sob censura, a população e nem mesmo o corpo médico sabia sobre os primeiros surtos, o que facilitou o avanço e a contaminação pela doença meningocócica dos sorotipos C e, posteriormente, A. O Brasil já havia passado por duas epidemias de meningite em 1923 e em 1945, mas nada parecido com o que aconteceu na década de 70. Pela falta de informações, não sabemos como a epidemia começou exatamente, pode ter vindo do exterior”, explica o historiador.

Dados do estudo “A doença meningocócica em São Paulo, Brasil, no século XX”, de José Cássio de Moraes e Rita Barradas, apontam que os casos de meningite meningocócica C na cidade de São Paulo aumentaram de 2,16 casos por 100 mil habitantes, em 1970, para 29,38 casos por 100 mil habitantes em 1973. A partir de 1974, houve uma explosão da infecção, motivada pela circulação da meningite meningocócica A, gerando uma sobreposição de surtos. Neste ano, a taxa de meningite chegou a 179,71 casos por 100 mil habitantes, e estima-se 2500 mortes.

“A censura permitiu que os casos aumentassem em proporção geométrica, sem controle. Nos bairros mais pobres, muitos morreram sem diagnóstico ou tratamento. Até que, em 1974, não dava mais para esconder o problema. A doença passou a infectar a população de regiões mais nobres de São Paulo. O Hospital Emílio Ribas, referência nesse tipo de atendimento, tinha, na época, 400 leitos e internou cerca de 1200 pacientes com doença meningocócica. As pessoas evitavam até passar na frente do hospital”, diz Carlos Fidélis. Surtos também começaram a ser registrados em outros estados, como Rio de Janeiro, Bahia e Distrito Federal.

Governo começa a tomar providências

A enorme ascensão do número de casos e a sucessão do presidente Emílio Médici por Ernesto Geisel, de perfil mais moderado, em 1974, finalmente levaram a ditadura militar a agir para controlar a epidemia. As autoridades começaram a reconhecer o problema publicamente, e foi criada o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica e a Comissão Nacional de Controle de Meningite. As escolas de São Paulo passaram a abrigar hospitais de campanha e até mesmo os Jogos Pan-Americanos, que iam acontecer na cidade em 75, foram transferidos para o México.

“As medidas de controle só começaram a ser tomadas três anos após o início da crise. O Brasil tinha cerca de 90 milhões de habitantes, e precisava imunizar algo em torno de 80 milhões de pessoas com a vacina meningocócica AC, para conter a epidemia. Ninguém no mundo fabricava uma quantidade dessas de vacina. O governo se deparou com a falta do produto até conseguir um acordo com o Instituto Pasteur Mérieux, da França. Mas seria necessário, para isso, construir uma nova fábrica que desse conta do tamanho da demanda”, detalha o historiador da Casa de Oswaldo Cruz.

Fundação de Bio-Manguinhos

O encarregado pela transação com a instituição francesa foi o economista Vinícius da Fonseca, então na Secretaria de Planejamento (Seplan) da Presidência da República. “Ele pegou essa oportunidade e teve a ideia de negociar não só a compra da vacina, como também a transferência da tecnologia para a Fiocruz”, relata Fidélis.

Assim, em 1976, foi criado o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), com a estratégia de incorporar e nacionalizar tecnologias existentes no mundo. “Os franceses construíram a fábrica na França para a entrega da encomenda dos imunizantes e treinaram os brasileiros, alavancando o desenvolvimento industrial de ponta nesse campo no país”, afirma Carlos Fidélis. Em 1977, Bio-Manguinhos passou a produzir a vacina anti-meningocócica em larga escala, fabricada até hoje pela instituição. Fonseca foi nomeado presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 1975, que presidiu até 1979. Ele foi importante, ainda, na criação do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), e auxiliou na fundação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz).

Controle da epidemia

Em 1975, foi iniciada a campanha de vacinação massiva para todas as faixas etárias, que começou por São Paulo e rapidamente se espalhou para o Brasil. “Tinham filas quilométricas para vacinação no Viaduto do Chá e no Vale do Anhangabaú, na capital paulista. Foi uma campanha intensa, agilizada pelo advento da pistola de vacina. No ano seguinte, em 1976, o número de casos já começou a cair e normalizou em 1977”, afirma Fidélis.

De acordo com o especialista, são estimados 67 mil casos de doença meningocócica durante os anos de 1971 e 1976, sendo 40 mil apenas em São Paulo. “Mas são números controversos, já que não existia sistema de informação. As crianças foram as que mais sofreram. Esse fato histórico nos mostra a importância da vacinação, o quanto precisamos estimulá-la para não enfrentarmos novos surtos e novas epidemias. É alarmante a queda das coberturas vacinais”, destaca

Fonte: Fiocruz

Comentários

Populares

UFF Responder: Dengue

 🦟 A elevação do número de casos de dengue no Brasil tem sido motivo de preocupação no âmbito da saúde pública. Entretanto, com a campanha de vacinação, a esperança é que a população esteja imunizada e que a mortalidade caia.  🤔 Para esclarecer as principais dúvidas acerca da dengue, conversamos com a professora Cláudia Lamarca Vitral, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFF. 💬 A docente aborda temas como as razões para o aumento dos casos, as diferenças entre os sorotipos do vírus, sintomas, infecções simultâneas e as principais medidas no combate à proliferação da doença. Além disso, também elucida questões sobre a tão esperada vacina. Leia a matéria completa pelo link: https://bit.ly/3SuOZXV #UFFResponde

Getulinho reabre a pediatria

Sem emergência há 1 ano e 2 meses e após o fim da UTI pediátrica por determinação da Vigilância Sanitária Estadual em dezembro, o Hospital Municipal Getúlio Vargas Filho, o Getulinho, no Fonseca, Niterói, retomou  nesta quinta-feira os atendimentos à população, só que no estacionamento. O hospital de campanha montado, com capacidade para atender 300 crianças por dia, foi alívio para a população e deverá durar o tempo das obras de reforma da unidade. “Esperamos atender 150 por dia na primeira semana”, declarou o coordenador-geral da Força Estadual de Saúde, Manoel Moreira. Foram disponibilizados também ambulância e CTI. Ao assumir, o prefeito Rodrigo Neves decretou situação de emergência no atendimento de urgência pediátrica no município e assinou termo de compromisso para a instalação do hospital de campanha com a Força Estadual. Foto: Estefan Radovicz / Agência O Dia   Nesta quinta-feira, a auxiliar de serviç

Normas Vancouver curiosidades

Normas Vancouver: dia de um manual muito explicativo Como referenciar e citar seguindo o estilo Vancouver. Elaborado pela professora Jeorgina Getil( Fiocruz), o manual é muito explicativo e vai te ajudar nos trabalhos acadêmicos. Este guia baseia-se nas recomendações das “Normas de Vancouver” - Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals, organizadas pelo International Committee of Medical Journal Editors Vancouver Group (www.icmje.org), documento adotado pela grande maioria das revistas científicas nacionais e internacionais da área. ( GENTIL, 208) Fonte: http://www.fiocruz.br/bibsmc/media/comoreferenciarecitarsegundooEstiloVancouver_2008.pdf

Médicos importados

O governo federal decidiu importar médicos para suprir a falta de profissionais em programas de atenção básica, como o Saúde da Família, e em cidades do interior do País. A medida, que será anunciada pela presidenta Dilma Rousseff, inclui a flexibilização das normas de validação de diplomas obtidos em faculdades estrangeiras. A decisão, que deverá ser anunciada até o fim de fevereiro, prevê a contratação de milhares de médicos . O governo acredita que muitos cubanos serão atraídos pelos novos empregos. Efeito sanfona Por falar em saúde: a pressão arterial de Pezão voltou a subir no fim da manhã de ontem. Pessoas próximas dizem que o problema está relacionado às bruscas variações no peso do governador em exercício. Ele acaba de terminar outra temporada em um SPA.  Fonte : O Dia

Painel Coronavírus

Diariamente, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) divulga dados consolidados sobre o COVID-19. Link:  https://covid.saude.gov.br/