Mal soube que um novo bisneto deve nascer daqui a sete meses, a niteroiense de origem inglesa Helen Mary Kent preparou para o bebê sete pequenos cabides forrados de crochê. A família grande, com cinco filhos, nove netos e duas bisnetas acostumou Helen a ter — e manter — uma rede de afeto robusta em torno de si, o que pode ajudar a explicar, segundo cientistas, seus 91 anos de vida. De acordo com um estudo do Instituto Karolinska, na Suécia, uma das maiores faculdades de medicina da Europa, o simples fato de ter filhos já aumenta a expectativa de vida. A pesquisa mostra que essas pessoas tendem a viver de um ano e meio a dois anos a mais do que aquelas que não têm rebentos — e, com isso, passam dos 80 anos.
Os cientistas não acreditam que esse efeito seja biológico, mas sim o resultado de uma rede de apoio amorosa que é crucial na vida adulta e na velhice, quando algo tão corriqueiro como uma queda pode ser fatal. Em geral, quem tem descendentes é mais incentivado a procurar médicos e cuidar bem da saúde, além de ter mais chances de manter a mente ativa e se esquivar da solidão. Para Helen, a conclusão dos pesquisadores suecos não poderia ser mais verdadeira.
— Eu adoro o fato de ter muitas pessoas da família com quem conversar. Às vezes, tenho até que tomar água para lubrificar, de tanto que eu falo — conta a nonagenária, aos risos. — Família pequena demais não nos proporciona aniversários, festinhas, a companhia dos netos. Se eu não tivesse ninguém, seria muito difícil.
Embora muitos parentes tenham se espalhado por vários estados — a própria Helen deixou Niterói há nove anos para viver em São Paulo —, há sempre um esforço familiar para que, de tempos em tempos, os entes queridos se reúnam. E a aposentada nunca está sozinha: mora com duas filhas, Kathleen Louise e Florence.
— Ela tem mais saúde do que nós — brinca Kathleen. — Toma seus remédios na hora certa, gosta que a acompanhemos nas consultas, está sempre fazendo palavras-cruzadas, criptogramas, trabalhos manuais. A mente não para.
REGISTROS DE 1,5 MILHÃO DE PESSOAS
Estudos anteriores já afirmaram que a solidão, ou a perda de um parceiro na vida adulta, pode acelerar a morte. No entanto, a pesquisa divulgada esta semana pelo Instituto Karolinska retrata o primeiro grande levantamento capaz de mostrar que a prole tem uma espécie de efeito protetor.
— O apoio de filhos adultos a pais idosos é importante para garantir a longevidade — explica Karin Modig, autora principal do estudo. — Na idade avançada, o estresse da paternidade e da maternidade é menor. Então o pais podem se beneficiar do apoio de seus filhos.
Para descobrir se a paternidade pode ajudar a adiar a morte entre pessoas de idade avançada, a pesquisadora e sua equipe estudaram os registros de quase 1,5 milhão de pessoas que nasceram em 1911, observando quando elas morreram e se tiveram filhos. O risco de morte foi crescendo conforme o aumento da idade, independentemente de os indivíduos serem pais ou não. Porém, depois de avaliar fatores que poderiam influenciar isso — como os anos de escolaridade —, a expectativa de vida se mostrou maior entre pessoas que tiveram filhos.
O estudo constatou que as mães viveram em média 84,6 anos, enquanto a expectativa de vida entre mulheres sem filhos foi de 83,1 anos. A diferença é ainda mais marcante para os pais, cuja esperança de vida é de 80,2 anos, comparado a 78,4 anos entre os homens sem filhos.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Carmita Abdo, as questões de ordem emocional costumam ser mais atendidas quando o indivíduo tem filhos.
— Se a pessoa tem mais apoio familiar, tem, consequentemente, menos solidão, evitando assim o que seria um dos principais fatores de doença psicológica para aqueles que têm predisposição a esse tipo de mal. Por isso, não é mera coincidência que tenha aparecido na pesquisa uma longevidade maior para quem tem esse apoio. Com filhos, os cuidados ao longo da vida serão melhores, desde a época da gestação até o envelhecimento — analisa.
Carmita ressalta que tanto mulheres quanto homens tendem a se preocupar mais com a própria saúde a partir do momento em que há crianças em casa. E que, mesmo inconscientemente, o zelo com a qualidade de vida aumenta.
— Uma vez que é preciso dar uma comida saudável para os filhos, os pais comem refeições mais saudáveis. Porque precisam brincar com filhos, eles se exercitam mais, correm pelo parque, andam de bicicleta — exemplifica ela. — O estilo de vida das pessoas costuma melhorar com a chegada dos filhos, e isso é visível de diferentes formas em muitos estudos feitos nos últimos anos. É como se, na intenção de cuidar bem dos filhos, por tabela, os pais cuidassem melhor de si próprios.
A contrapartida, quando os filhos passam a cuidar dos pais na velhice, também é entendida por Carmita como essencial para explicar a longevidade.
— Além do benefício afetivo de se ter filhos, que por si só é muito importante, existe uma questão bem prática: eles estão próximos o suficiente para conseguirem observar qualquer problema de saúde que acomete o pai ou a mãe. Uma pessoa sem laços de parentesco próximos não tem tanto essa possibilidade.
MAIOR VULNERABILIDADE NO FUTURO
Se hoje não é raro encontrar um idoso com família numerosa, a psiquiatra destaca que isso ficará cada vez mais raro. Parcela significativa das pessoas abrem mão de serem pais, o que deve fazer com que, no futuro, tenham uma rede afetiva bem menor. Isso pode levar a uma leve redução na expectativa de vida.
— Aquelas pessoas que têm uma predisposição à depressão ou ao uso de drogas, por exemplo, terão maior vulnerabilidade caso se vejam sozinhas na vida adulta e na velhice — avalia.
A conclusão do levantamento sueco contradiz estudos anteriores que sugeriam que, pelo menos para as mulheres, ter filhos poderia reduzir a expectativa de vida, já que o tempo destinado a atividades físicas é desviado para a reprodução. Pesquisas chegaram a indicar que, em regiões pobres, pessoas com quatro ou mais filhos viviam 3,5 anos a menos do que a média.
Fonte: Jornal Extra
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