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Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente

  Cerca de 3,5 milhões de trabalhadores do setor da saúde

 enfrentam problemas que impactam em sua saúde mental

 e física na pandemia



Profissionais de saúde trabalhando

Todos os dias, às 20 horas, os espanhóis começam uma salva de palmas para os trabalhadores da saúde. O Empire State, um famoso edifício em Nova York, nos Estados Unidos, aciona toda noite, desde o dia 31 de março, a sirene de emergência em vermelho e branco com intuito de lembrar e agradecer às equipes em atuação. Na Itália, equipes médicas de outros países como Cuba, que chegaram ao país, foram recebidas com celebração. No Dia Mundial da Saúde, brasileiros foram às janelas para se solidarizar. Somente no país, são cerca de 3,5 milhões de trabalhadores que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre os principais desafios enfrentados por esses trabalhadores no enfrentamento da pandemia mundial provocada pelo Covid-19, estão a falta de equipamentos de proteção individual, sobrecarga de trabalho e impactos na saúde mental.
Circulam na internet, relatos, imagens e vídeos de trabalhadores da saúde, como médicos, enfermeiros e agentes comunitários de saúde, entre outros, que estão atuando sem os equipamentos adequados como viseira, máscara e avental - no atendimento em geral - e máscaras N95, gorros e macacão impermeável - nas unidades de terapia intensiva e enfermarias. Além desses equipamentos de proteção individual, faltam ainda os mais básicos como luvas, álcool em gel e sabão líquido. Pesquisadores, associações e sindicatos já se manifestaram mostrando que com a falta destes materiais, a saúde do trabalhador ficará comprometida e o déficit de profissionais pelo afastamento por conta da contaminação poderá deixar o Sistema Único de Saúde em colapso.
O número de trabalhadores infectados ainda é incerto. Entidades como o Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo e o Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro vêm contabilizando esse número diariamente. Até o fechamento desta matéria, cerca de 600 trabalhadores, segundo o levantamento desses dois sindicatos, haviam se contaminado e se afastado do trabalho. Esses estados atendem a 46% do total do número de pessoas contaminadas no país.
Em nota, a Associação Médica Brasileira informa que a preocupação deriva do histórico de médicos infectados e mortos no exterior, seja na Ásia, Europa ou Estados Unidos. “Na China, por exemplo, são mais de 3.387 profissionais de saúde infectados. Na Itália, são 5.760. Mesmo em locais onde os médicos têm acesso aos equipamentos de segurança corretos, há grande incidência de contágio e infecção. A escassez de determinados EPIs não justifica mudanças em orientações que deveriam se guiar pela técnica e pela ciência e, principalmente, pela prudência. Se estamos numa guerra, como dizem, não podemos mandar os soldados para a linha de frente sem armamento correto. Mas pior do que não ter armas de verdade para todos, é entregar estilingues e chamá-los de arma”, informa.
Como se estrutura
O uso dos equipamentos é assegurado como medida de proteção da saúde e segurança do trabalhador. Para reger essas medidas, existe o arcabouço jurídico legislativo formando por dezenas de portarias, decretos e leis. Entre elas, estão a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Portaria 1823/12), a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (Decreto nº 7.602/11) e as normas regulamentadoras, como a NR32, que trata especificamente dos trabalhadores da saúde. A Política Nacional garante a organização da saúde do trabalhador por meio da Rede Nacional de Saúde do Trabalhador (Renast) e dos Centros de Referência de Saúde do Trabalhador (Cerest) estaduais e municipais, esses a partir de um processo de habilitação. Em momentos como o atual, a Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa) também publica protocolos e notas técnicas sobre o uso de equipamentos, de atendimentos e adequação de áreas afetadas.
Apesar dessas garantias legais, a insegurança e a falta da informação são apontados pela pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) Maria Helena Machado como itens que devem ser vistos como prioridade. “Há uma diferença entre os que estão na linha de frente do atendimento com os pacientes contaminados pelo coronavírus e os que estão na atenção primária. Mas a gente não tem muita noção de como isso tudo está funcionando. Não temos um mapeamento concreto disso. Não sabemos exatamente quanto falta de cada item nas unidades de saúde. O que temos percebido é que os profissionais não estão tendo condições de trabalho, nem orientação sobre a utilização dos melhores materiais para não se contaminarem. Há uma desinformação muito grande”, avalia e acrescenta: “Os trabalhadores estão se sentindo muito desprotegidos”, afirma a pesquisadora.
Para o diretor de Políticas de Saúde do Trabalhador do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) e integrante da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador (CIST) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Roberto Alves da Silva, a falta de equipamentos trará uma série de consequências aos trabalhadores. “Hoje, não temos como contabilizar o que está faltando nos hospitais. Em São Paulo, estamos tentando fazer esse levantamento por meio do sindicato. A impressão que se tem é que os equipamentos chegam a conta gotas e o vírus se espalha de maneira exponencial”, avalia e completa: “Os protocolos são satisfatórios e são prerrogativas gerenciadas pela Organização Mundial de Saúde. O problema é que não temos estrutura para abarcá-los, nem equipamentos em escala suficiente, e os gestores interpretam de maneiras diferentes como segui-los”.
Para dar conta desse panorama, desde o dia 19 de março, a AMB tem disponibilizado uma plataforma específica para captação de reclamações e denúncias sobre a falta de EPIs para os profissionais da saúde que estão atuando na linha de frente. A partir das informações recebidas, a instituição comunica aos estabelecimentos apontados, solicita esclarecimentos e a atualização das informações e notifica o Ministério da Saúde, o Conselho Regional de Medicina (CRM), as Secretarias de Saúde Municipal e Estadual, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério Público. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul lideram o ranking de números de denúncias. Segundo a AMB, a falta de álcool em gel é a reclamação de mais de um terço das denúncias (35%) e a ausência de máscaras de proteção está em quase 90% delas. 
Conjuntura
Em meio a esse momento de incerteza, os trabalhadores em geral, incluindo os da saúde, têm sido impactados com as medidas provisórias que flexibilizam as condições de trabalho. Entre elas, a Medida Provisória 927/2020, que flexibiliza as horas extras e a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho; e a MP 936/2020, que prevê a possibilidade de redução de salário por meio de uma negociação individual entre o trabalhador e empregador.
“Independente da situação que a gente está enfrentando, temos que defender as proteções trabalhistas, inclusive, para termos a garantia de trabalhadores de qualidade atuando diretamente com a vida das pessoas. Neste momento, as questões emergenciais não podem encontrar respostas na retirada de direitos e com a visão apenas em salvar economia. O papel do Estado está sendo essencial nesse momento, mais do que nunca, o SUS e seus trabalhadores têm sido efetivos para dar respostas a essa grande crise sanitária”, avalia Maria Helena.
Para o pesquisador e especialista de saúde do trabalhador e ecologia humana da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), Rodolfo Pereira, os gargalos que têm se apresentado na atual conjuntura são reflexos de problemas que vêm sido agravados desde 2016, com a reforma trabalhista e a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos da saúde e educação por 20 anos. “A verdade é que agora os problemas que eram tratados dentro das unidades de saúde cotidianamente ficaram mais visíveis e as respostas têm que ser em massa. Os trabalhadores da saúde já sofrem com péssimas condições de trabalho há muito tempo. Todos os problemas estruturais que o sistema já apresentava por conta do subfinanciamento, agora se aprofundam”, denuncia.
Roberto, do Sindsep, afirma que a mobilização social é de extrema importância. Como exemplos para isso, ele indica a visibilidade e apoio à luta destes trabalhadores. “É evidente que a insegurança causa pânico, tanto no setor privado, quanto no público. Os trabalhadores da saúde, especificamente, já estão no campo do atendimento com estresse cotidiano, abriram mão da convivência com sua família e, apesar de tudo isso, ainda vem uma política de possível diminuição em seu salário, dos seus direitos. Isso só acarreta mais distúrbio emocional nessas pessoas. Enquanto, no mundo inteiro, há um reconhecimento dos trabalhadores, aqui no Brasil são eles que vão sofrer as consequências. Em defesa dos trabalhadores da saúde, precisamos denunciar esse desmonte”, aponta.
Pacto social
Universidades, conselhos regionais e sindicatos estão se organizando para dar conta dos gargalos de proteção. Entre eles, atendimento psicológico, cobrança de equipamentos para a segurança do trabalho e a luta para garantir os direitos trabalhistas. “A questão da proteção social é fundamental para que os trabalhadores possam seguir nessa grande força tarefa, além da garantia de estrutura mínima e segura em sua atuação”, aponta Maria Helena. Um dos exemplos é o movimento Rede de Apoio Psicológico, que conecta profissionais da saúde que estão na linha frente do combate ao COVID-19 com psicólogos voluntários.
De acordo com Rodolfo, a sociedade, mais do que nunca, está resgatando a visão de trabalho coletivo e o sentido de proteção dos trabalhadores, de maneira geral, está em pauta. "Esse momento nos dá a oportunidade de romper com o sistema econômico que entende saúde como mercadoria. E reafirmar a importância da defesa do Sistema Único de Saúde e dos trabalhadores e trabalhadoras. A saúde deve ser encarada como direito”, avalia.
Rodolfo ainda faz um apelo de que, além de essa tomada de consciência, a melhor forma de solidariedade a esses trabalhadores é que as pessoas continuem respeitando o isolamento domiciliar. “Com menos pessoas circulando, podemos achatar a curva de contaminação e tentar evitar um colapso ainda maior no sistema de saúde. Está na hora de o governo e os cidadãos criarem uma rede de apoio a esses profissionais e reconhecê-los como atores fundamentais para proteger a vida de todos os brasileiros”, finaliza.

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