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HUAP em Foco: Ambulatório de psiquiatria da UFF atende jovens e forma novos especialistas em saúde mental

 

Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 14% das crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos no mundo têm algum tipo de transtorno mental. No Brasil, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), quase um em cada seis adolescentes dessa faixa etária enfrenta esse tipo de condição, estando mais vulneráveis a problemas como automutilações, depressão e suicídio. No mês da campanha do Setembro Amarelo, voltada à valorização da vida e à prevenção do suicídio, a Universidade Federal Fluminense (UFF) coloca em destaque um espaço de cuidado fundamental: o Ambulatório de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital Universitário Antônio Pedro (Huap-UFF). 

O serviço atende crianças e adolescentes com diferentes transtornos mentais, como depressão e ansiedade, e, ao mesmo tempo, funciona como campo de formação para residentes e estudantes de Medicina, unindo assistência, ensino e humanização. O projeto é coordenado pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFF e funciona como porta de entrada para crianças e adolescentes encaminhados pela Regulação Regional da Metropolitana II e por interconsultas do hospital.

O ambulatório foi criado há três décadas pela professora Regina Reis, inicialmente vinculada ao Departamento Materno Infantil. Após sua migração para a psiquiatria, o serviço passou a ser uma referência do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental e, desde então, se consolida como um espaço essencial de assistência e ensino. Hoje, é um projeto de extensão coordenado pelo Supervisor do Programa de Residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência (R4) do Huap/Ebserh/UFF e professor de Psiquiatria da Infância e Adolescência e Psicologia Médica da UFF, Daniel Pagnin. 

“Quando cheguei à UFF, há 16 anos, já encontrei o serviço estruturado, referenciado como um espaço acadêmico. Desde então, o ambulatório se tornou fundamental na supervisão da residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência, na formação de novos especialistas e também no atendimento direto às crianças, adolescentes e suas famílias”, explica Pagnin.

Equipe e funcionamento

O ambulatório atende crianças e adolescentes entre 3 e 18 anos, durante três dias da semana. Em cada período, há um preceptor — docente e médico-psiquiatra da infância e adolescência — acompanhado de dois médicos residentes, que realizam a formação complementar em Psiquiatria da Infância e Adolescência.

Segundo o professor Leonardo Oliveira, um dos preceptores que atuam no ambulatório, o cotidiano é marcado pelo desafio de aliar assistência e formação: “Meu trabalho está ligado ao atendimento direto das crianças e adolescentes e também à supervisão dos residentes. Nosso objetivo é formar novos especialistas em psiquiatria da infância e adolescência, uma área ainda muito carente no Brasil, tanto no setor público quanto no privado”, explica. 

Além de campo de prática para residentes da UFF, o ambulatório também funciona como estágio em Psiquiatria da Infância e Adolescência para Residência Médicas externas ao Huap-UFF, que complementam sua formação no serviço. Essa integração garante diversidade de experiências que acrescem no atendimento e reforçam o lugar de referência regional do projeto. 

Dr. Lucas da Gama, um dos médicos-residentes, na sala de atendimento. Foto: Arquivo Pessoal.

O alcance do serviço vai além de Niterói, chegando a receber pacientes de cidades próximas. “Hoje o ambulatório recebe pacientes de outros municípios do estado do Rio, principalmente da região Leste Fluminense, como Maricá, Itaboraí e São Gonçalo. Uma expansão importante, já que amplia o acesso à famílias que muitas vezes não encontram serviços especializados em saúde mental infantojuvenil em suas cidades”, acrescenta Pagnin. 

Acompanhamento integral

O ambulatório recebe uma variedade de diagnósticos, incluindo transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), ansiedade, depressão, transtorno do espectro autista (TEA), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), de conduta e de humor, entre outros. Um diferencial do projeto é o acompanhamento de forma contínua do paciente, com suporte aos familiares, uma abordagem vista como essencial para o cuidado em saúde mental.

“Nós sempre tentamos privilegiar não só a consulta da criança em si, mas também dos responsáveis. Buscamos, por meio de uma abordagem multidisciplinar, que o residente não fique restrito apenas ao paciente. Ele precisa ter esse olhar ampliado sobre os fatores familiares, porque os pais são fundamentais na observação de sintomas e mudanças que podem estar ocorrendo”, explica o coordenador.

Essa participação dos responsáveis não é apenas complementar, mas estruturante para o atendimento. O modelo permite compreender melhor o contexto em que o jovem está inserido, identificar conflitos familiares e favorecer um olhar mais integral sobre sua saúde mental. Pagnin explica que a consulta com os pais pode acontecer em diferentes momentos: “Às vezes é mais interessante atender primeiro os responsáveis, em outros, a criança ou adolescente. Também existem consultas em conjunto, que ajudam muito a perceber a interação entre pais e filhos.”

Ainda segundo o coordenador, embora seja fundamental respeitar a individualidade dos jovens, o processo terapêutico precisa ser construído em parceria com os responsáveis, já que crianças e adolescentes ainda não têm plena autonomia para todas as decisões.

“Estamos falando de uma faixa etária que não têm plena autonomia. Desse modo, as decisões terapêuticas precisam ser sempre compartilhadas com os pais. Ao mesmo tempo, quanto mais velho o jovem, maior a sua capacidade de participar dessas decisões, e esse espaço deve ser garantido. Questões de sigilo que não envolvam riscos também são respeitadas”, completa.

Desafios e novas demandas

Segundo o professor Leonardo Oliveira, só em 2025 o Ambulatório de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Huap-UFF já realizou mais de 800 atendimentos. O dado revela não apenas o aumento na procura por atendimento especializado, mas também a falta de serviços especializados voltados à saúde mental infantojuvenil. “Esse número mostra como existe uma demanda reprimida e como precisamos fortalecer os serviços voltados para a infância e a adolescência”, avalia Oliveira.

Entre essas demandas, surgem cada vez mais casos relacionados ao uso excessivo de telas, dependência de jogos online e até mesmo envolvimento com apostas digitais, que se somam a transtornos mais tradicionais, como ansiedade, depressão e TDAH.

“Algo que sempre nos chegou são as queixas relacionadas aos jogos, o tempo que o adolescente passa jogando, sozinho ou com os colegas. É típico ouvir de pais que o filho não vai dormir porque passa a madrugada jogando com os amigos. Essa é uma queixa extremamente frequente”, alerta Pagnin.


                                                           Jovem jogando online. Foto: Freepik

Além disso, começam a aparecer preocupações ligadas aos jogos de azar online e apostas em plataformas digitais, que muitas vezes permanecem ocultas da percepção dos responsáveis. Diferente de adultos, os adolescentes encontram formas veladas de financiar essa prática, o que pode dificultar a identificação precoce.

“O adolescente tende a esconder muito esse comportamento. Ele precisa utilizar subterfúgios para conseguir o dinheiro e acaba tendo um alcance mais restrito. Não temos ainda uma ideia clara de quanto esses jogos de azar já estão impactando, mas pode ser algo velado que está acontecendo”, aponta o coordenador.

Essas situações se somam a uma estatística preocupante: cerca de 50% dos transtornos mentais começam antes dos 14 anos e 75% antes dos 24 anos, segundo a OMS. Isso significa que comportamentos aparentemente banais, desde noites mal dormidas diante da tela à isolamento em jogos ou primeiros contatos com apostas, podem ser sinais precoces de quadros mais graves, como ressalta Daniel Pagnin: “Muitas vezes as dependências já dão sinais, mas não são percebidas porque ainda não têm grande impacto funcional. Como crianças e adolescentes são dependentes financeiramente, esse tipo de problema não fica tão evidente para a família.”

Atendimentos e impacto

Ao longo dos últimos 15 anos, o serviço já formou cerca de 30 médicos psiquiatras da infância e adolescência, chegando a ser, em determinados momentos, a única residência nessa área em todo o estado do Rio de Janeiro. Esse papel de referência reforça a vocação do ambulatório em produzir conhecimento, formar novos profissionais e oferecer atendimento qualificado à população.

“Nós temos feito muito esforço para manter esse padrão acadêmico, de formação e de qualidade no atendimento. Não é uma consulta de cinco minutos, mas de 30, 40 minutos, às vezes até uma hora. Os residentes têm esse espaço e, ao mesmo tempo, conseguimos dar retorno à sociedade, preenchendo pelo menos uma parte dessa demanda. Esse sempre foi nosso objetivo: unir assistência e ensino”, destaca o coordenador.

Atualmente, o ambulatório organiza seu funcionamento em três dias da semana: segundas-feiras à tarde (13h às 17h), quartas-feiras pela manhã e tarde (8h às 12h e 13h às 17h) e quintas-feiras nos mesmos turnos. Com atuação que alia assistência e ensino, o ambulatório reafirma seu papel de importância para a sociedade e para o futuro da psiquiatria infantojuvenil.

Daniel Pagnin é professor associado de Psiquiatria da Infância e Adolescência e Psicologia Médica do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense, possui graduação em Medicina pela Universidade Gama Filho (1992), residência médica em Psiquiatria e Psiquiatria infantojuvenil (R3) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestrado em Psiquiatria, Psicanálise e Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999), doutorado em Neurobiologia e Clínica dos Transtornos Afetivos – Universitá degli Studi di Pisa-Itália (2004) e pós-doutorado pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (2015).Supervisor do Programa de Residência em Psiquiatria da Infância e Adolescência (R4) do HUAP/EBSERH/UFF, atua principalmente nos seguintes temas: psiquiatria da infância e adolescência e o estresse na formação médica. 

Leonardo Oliveira da Silva é preceptor na área de Psiquiatria da Infância e Adolescência da Universidade Federal Fluminense. Possui graduação em Medicina pela Universidade Gama Filho. Residência Médica em Psiquiatria pelo Instituto Municipal Philippe Pinel( ESAM/IPUB/UFRJ). Residência Médica em Psiquiatria da Infância e Adolescência pela Universidade Federal Fluminense.

Por Alícia Carracena.

Fonte: UFF


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