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Como lidar com o risco de desenvolver trombose por causa de pílula

Parte significativa de mulheres jovens tem trocado esse método por outras formas de contracepção; Com a quarta onda do feminismo, 'as mulheres passaram a se preocupar mais em escolher como cuidar do próprio corpo', diz médica
É cada vez mais comum encontrar mulheres jovens que deixaram a pílula anticoncepcional para trás. Criado em 1960, o comprimido que representou uma revolução na vida dessa parcela da população — que pela primeira vez teve a chance de fazer planejamento familiar —, hoje é visto com cautela por parte das mulheres. O principal medo é a trombose, isto é, a formação de um trombo no interior de um vaso sanguíneo ou do coração. Em alguns casos, o quadro pode evoluir para sua complicação mais grave, a embolia. Este efeito colateral da pílula, já bem documentado na literatura médica, é muito raro, mas, quando acontece, tem o potencial de ser letal.
O risco de uma mulher que não toma pílula anticoncepcional desenvolver trombose é de 4 em cada 10 mil, ao longo de um ano. Se ela toma pílula, esse risco mais do que dobra, passando a ser de 10 em cada 10 mil em um ano, explica a ginecologista Ilza Maria Urbano Monteiro, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Essa taxa de risco já diminuiu muito ao longo das últimas décadas. As primeiras pílulas tinham uma dosagem de hormônios até 90% mais alta do que as atuais, o que gerava mais efeitos colaterais graves na década de 60. Então por que a onda de abandonar a pílula veio justamente nos últimos anos?
— Hoje, é possível optar. Quando a pílula foi criada, não havia outras opções, como o DIU ou o diafragma — responde Ilza, que é vice-presidente da Comissão Nacional de Anticoncepção da Febrasgo. — Com o crescente empoderamento feminino, as mulheres passaram a se preocupar mais em escolher como cuidar do próprio corpo, em saber como ele funciona, qual é o leque de opções que elas têm e poder decidir junto com o médico o que é mais seguro para o caso de cada uma.
Para a mineira Carolina Jardim (leia o relato na íntegra aqui), que teve embolia pulmonar após trombose há menos de um mês — e não tinha nenhum outro fator de risco além da pílula anticoncepcional —, o alerta vermelho se acendeu. Ela reclama da falta de orientação médica.

Orientação para os próprios médicos

A ginecologista Ilza Maria Urbano Monteiro destaca que, para orientar melhor os próprios médicos e a população de modo geral, a Febrasgo lançou a campanha #VamosDecidirJuntos, com uma página on-line que reúne informações sobre todos os métodos contraceptivos existentes.
— O que a gente não pode é demonizar a pílula, porque, para o conjunto de pessoas que toma, o risco é bem pequeno. Durante a gravidez, por exemplo, o risco de trombose é três vezes maior do que durante o uso da pílula. Mas o que é fundamental é a mulher estar bem informada, para ela escolher, sob orientação do médico, o risco que vale à pena correr — destaca ela.

Adriana Scavuzzi, membro da câmara técnica de ginecologia e obstetrícia do Conselho Federal de Medicina (CFM), explica que é sempre necessário uma consulta minuciosa para se eleger uma forma de contracepção mais adequada para cada mulher — e que isso tem que ser feito com a participação dela. E não com uma prescrição apressada escrita em alguns minutos.

— É impossível receitar um método contraceptivo para uma mulher em 5 minutos — comenta a médica.
Isso porque existem algumas contraindicações, e o médico precisa avaliar isso. No caso da pílula, ela é contraindicada para aquelas mulheres que já tiveram alguma trombose, que têm histórico de trombose ou doenças cardiovasculares na família entre parentes de primeiro grau, são fumantes com 35 anos ou mais, são obesas ou hipertensas.

Nem toda pílula gera risco de trombose

O risco de trombose está associado ao estrogênio. Ele é o principal responsável pelo aumento dos fatores de coagulação e, portanto, quanto maior a dose desse hormônio, maior é o risco de desenvolver a doença. Sendo assim, somente as pílulas combinadas de estrogênio e projesterona apresnetam alguma possibilidade de causar trombose.
Há um segundo grupo de pílulas, feitas apenas de projesterona. Estas não oferecem esse risco. A adesão a essa pílula, no entanto, é baixa porque cerca de 30% das mulheres têm pequenos sangramentos. A tendência é que, com o uso, eles diminuam, mas muitas abandonam o método logo no início por conta do incômodo.
— A pílula de progesterona tem uma eficácia muito boa, semelhante à da combinada. Mas não costuma ser a primeira opção das mulheres porque ela pode pode gerar esses "escapes menstruais" e, em alguns casos, também pode interferir na libido — afirma Isabela Henriques Rosa, ginecologista da equipe Clisam e do Hospital Santa Lúcia.
Entre os métodos de contracepção não hormonais — isto é, que não interferem de nenhuma maneira nos hormônios e, por isso mesmo, estão longe de causar trombose —, estão o DIU de cobre, o diafragma e a camisinha. Em geral, muitas mulheres que repensam o uso da pílula recorrem a eles como substitutos.

DIU é subutilizado

Cerca de 30% das mulheres entre 20 e 39 anos no Brasil usam pílula anticoncepcional, segundo a Febrasgo. Já o DIU é utilizado por menos de 5% nessa mesma faixa etária. Para as especialistas, este último método é subutilizado.
— Do ponto de vista de eficácia (para evitar gravidez indesejada), o DIU é muito melhor. Além de eliminar risco de trombose — afirma Ilza.
Ela explica que toda pílula pode falhar e ocasionar gestações não planejadas em três em cada mil mulheres ao longo de um ano. Mas, na prática, as estatísticas mostram que 80 em cada mil mulheres engravidam em um ano, mesmo tomando pílula. Isso acontece porque é comum que elas se esqueçam de tomar um dia ou que atrasem o horário. Por outro lado, o risco de falha do DIU é de três casos em cada mil, tanto na teoria quanto na prática — porque o dispositivo fica no corpo por anos, não depende do bom uso da paciente.
— Por isso costumo dizer que o principal problema da pílula não é a trombose, mas a falha — comenta Ilza.
Para a ginecologista Adriana Scavuzzi, do CFM, o uso do DIU deveria ser mais estimulado, inclusive entre adolescentes que já iniciaram a vida sexual. Ela considera que há uma falta de informação geral em relação aos contraceptivos.
— Se a mulher migra da pílula para o DIU, por exemplo, aí tudo bem. Porque esse é um dispositivo seguro. O meu medo é sobre aquelas que abandonam a pílula, com medo de trombose, e passam a não usar nada ou a adotar métodos sem comprovação científica, por modismos. Aí é temerário e não se justifica — diz.

Exames genéticos não são saída

Muitas mulheres têm o seguinte questionamento: se existem exames médicos para verificar se a paciente tem alguma mutação genética que cause trombofilia — uma propensão a desenvolver trombose —, não deveria ser necessário que ginecologistas pedissem esse exame antes de prescrever uma pílula?
A resposta dos especialistas é não. Eles dizem que é irreal pedir pesquisa genética de todas as mulheres que buscarem contracepção. Não é um tipo de teste realizado no Sistema Único de Saúde (SUS), não é coberto por planos de saúde e é caro. E mais: mesmo se o teste der negativo, não há garantia de que a mulher não desenvolverá trombose.
— Tem gente que não tem nada aparentemente, e os testes genéticos não indicam nada. Mas desenvolve a doença. Pode ser que a mulher tenha algum tipo de mutação que a medicina ainda não descobriu e não conseguiu rastrear — afirma a ginecologista Karina Tafner, especialista em endocrinologia ginecológica e reprodução humana pela Santa Casa de Misericordia de São Paulo.

'Medicalização da sexualidade'

Segundo especialistas, a relação das mulheres com a pílula anticoncepcional vem mudando ao longo do tempo, dependendo em geral das demandas sociais de cada tempo.
O primeiro impulso para as pesquisas que resultariam na pílula anticoncepcional, no início da década de 1960, não foi dado por cientistas, mas sim por feministas. É o que explica um estudo acadêmico de Saúde Coletiva feito pela especialista Marina Nucci, em 2012, no Instituto de Medicina Social (IMS/Uerj).
"Margaret Sanger, ativista dos direitos das mulheres e pioneira do controle de natalidade nos Estados Unidos, buscou por muito tempo cientistas que fossem capazes de desenvolver um método simples e barato de contracepção, até encontrar o biólogo Gregory Pincus, em 1951. Outra mulher que exerceu papel central na criação da pílula foi Katherine Dexter McCornick, amiga de Sanger, que financiou quase inteiramente com recursos próprios o projeto de pesquisa", destaca Marina, em seu texto.
No estudo, a autora discute a ideia de "droga do dia a dia" e de "medicalização da sexualidade" — e é contra essa ideia que muitas mulheres hoje se levantam. Desde seu surgimento, a pílula anticoncepcional foi destinada não a tratar uma doença, mas sim a ser utilizada de forma rotineira por mulheres saudáveis.
"Fruto das reivindicações feministas, a pílula revolucionou a vida não apenas das mulheres, mas da sociedade de modo geral. Entretanto, trata-se de um medicamento e, como todo medicamento, oferece riscos à saúde de suas usuárias", continua ela.
Ela conta, entre outros aspectos, como o biólogo Gregory Pincus instituiu que o "normal" seria um ciclo de 28 dias; e que a menstruação — embora biologicamente desnecessária — deveria ser imitada durante o uso da pílula, com um intervalo de uma semana, para que o produto fosse mais bem aceito.
Fonte: Jornal Extra

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