Pular para o conteúdo principal

Contra o vírus do oportunismo em tempos de COVID-19

Contra o vírus do oportunismo em tempos de COVID-19



Sex, 08 de Maio de 2020 17:48
José Hiran da Silva Gallo*
Em situações de emergência, infelizmente, há sempre os oportunistas de plantão. Pode-se classificá-los em duas categorias. A primeira é a dos que se aproveitam para levar vantagem econômica, aumentando preços em períodos de escassez ou oferecendo soluções miraculosas por valores exorbitantes. Normalmente, escolhem como vítima o erário. 

Num período de pandemia, como o atual, deve-se ficar atento, pois essas pessoas não agem sós. Normalmente, estão vinculadas a grandes empresas e transitam pelos altos escalões, surfando nas brechas da legislação ou nas exceções abertas por conta do estado de calamidade declarado.

É assim que nascem os superfaturamentos, as compras sem licitação ou as entregas de produtos que nem de longe valem o que foi pago por eles. No momento em que a COVID-19 criou uma verdadeira comoção nacional, o noticiário começa a trazer exemplos desse tipo de conduta aqui e acolá.

Como já apontamos há poucas semanas, em artigo publicado, é hora de os órgãos de fiscalização e controle, como os Tribunais de Contas, o Ministério Público e mesmo as assembleias legislativas e câmaras de vereadores, acompanharem atentamente as publicações de editais e de extratos de compras, bem como as execuções orçamentárias.

O malfeito sempre deixa rastros e impressões digitais. No setor público não é diferente. O bom gestor sabe da existência desse grupo e se protege com transparência e cercando-se de todos os cuidados possíveis. Aqueles que são mais displicentes ficam à mercê e – podem estar certos – terão dificuldades.

O outro tipo de oportunista que costuma aparecer em momentos de crise, como o atual, é aquele que age em função de projetos pessoais, que são travestidos das melhores intenções mas, no fundo, atendem apenas aos seus próprios desejos – ou aos de seus amigos.

Esses são os aproveitadores do sentimento de insegurança da população, que forçam a mão para fazer passar propostas que não respondem ao que realmente o povo quer e precisa. Recentemente, temos escutado os apelos de políticos e gestores defendendo que brasileiros que se formaram em medicina em países como a Bolívia e o Paraguai possam atuar no Brasil sem a necessidade de provarem que sabem realmente fazer medicina.

Quem defende essa ideia usa como argumento a pandemia da COVID-19, mas esquece de contar a história inteira. Para começar, essa pauta não tem a ver com o coronavírus. Há anos tentam fazer avançar essa proposta, que já foi barrada pelo Congresso Nacional e pelo Executivo Federal em diferentes oportunidades.

Além disso, esquecem de contar que ninguém sabe de fato se esses portadores de diplomas estrangeiros têm condições de atender a população com segurança e eficácia. É fato conhecido que as escolas de medicina na região das fronteiras boliviana e paraguaia mais parecem um cursinho pré-vestibular do que uma faculdade.

Salas com centenas de alunos, falta de laboratórios, professores sem preparo, ausência de campos de estágio: esses são apenas alguns dos problemas reconhecidos. O quadro é tão ruim que, segundo relatos desses países, os que se formam nessas escolas não têm autorização para praticar medicina no Paraguai e na Bolívia.

Bem, se eles não podem atuar do outro lado da fronteira, por que poderiam atuar aqui? Por acaso podem usar o brasileiro como cobaia para praticar medicina? Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), a resposta é um “não” bem redondo. Antes disso, devem passar em exames sérios, que avaliem se têm conhecimento, capacidade e competência. Se aprovados, serão muito bem-vindos e terão total apoio.

Esse zelo não é coisa só do Brasil. Exames semelhantes ao Revalida (como é chamado por aqui) são exigidos nos Estados Unidos, na Alemanha, França, Itália, em Portugal e na grande maioria dos países sérios. A vida da população vale muito para esses governos, e neles os oportunistas não têm vez.

É lamentável ainda existirem pessoas – em cargos importantes – que defendam essa distorção, que expõe a população aos riscos do mau atendimento, mau diagnóstico e mau tratamento. Em lugar disso, deveriam deixar o oportunismo de lado – de todas as categorias – e trabalhar com afinco pela seriedade na administração pública e por melhores condições de trabalho e atendimento nos hospitais e prontos-socorros. É desses remédios que o Brasil precisa contra os vírus que o afligem! 
  
 *Diretor-tesoureiro do Conselho Federal de Medicina e pós-doutor e doutor em bioética



Comentários

Populares

UFF Responde: Hanseníase

  A hanseníase carrega um histórico marcado por preconceito e exclusão. Por décadas, pacientes foram afastados do convívio social, confinados em colônias devido ao estigma em torno da doença. Hoje, embora os avanços no diagnóstico e no tratamento tenham transformado essa realidade, o combate ao preconceito ainda é um desafio. No Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, neste ano celebrado em 26 de janeiro, a campanha do “Janeiro Roxo” reforça a importância da conscientização, do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento gratuito oferecido pelo SUS, que ajuda a desconstruir mitos e ampliar o acesso à saúde. Em 2023, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados 22.773 novos casos da doença no Brasil. Por isso, a Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase, estabelecida para o período 2024-2030, trouxe metas importantes, como a capacitação de profissionais de saúde e a ampliação do exame de contatos, que visam à eliminação da hanseníase como problema de...

Irritação, euforia, agressividade e depressão podem ser sinais do distúrbio. Doença, que atinge 4% da população brasileira, não tem cura, mas tratamento pode controlá-la

Sintomas como euforia, fala rápida, irritação, agitação, insônia, agressividade, hostilidade e depressão podem ser sinais de vários transtornos que acometem o humor, seja para o polo depressivo, seja para o da euforia. Porém, quando os sintomas vêm alternados em uma mesma pessoa, pode ser um alerta para o transtorno bipolar, uma doença sem cura, mas com tratamento e controle. De acordo com a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB), o distúrbio atinge 4% da população. O censo feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, informa que o Brasil tem uma população de 190.732.694 pessoas. A doença se manifesta em fases que alternam a hiperexcitabilidade e a agitação com profunda tristeza e depressão. A duração de cada fase varia de pessoa para pessoa, podendo durar horas, dias, meses e até anos. Um complicador para a pessoa portadora do transtorno surge quando as duas fases se misturam, o chamado estado misto.  “A pessoa pode...

UFF responde: Alzheimer

  Doença de causa desconhecida e incurável, o Alzheimer é a forma mais comum de demência e afeta, principalmente, idosos com mais de 65 anos. Identificada inicialmente pela perda de memória, pessoas acometidas pela doença têm, a partir do diagnóstico, uma sobrevida média que oscila entre 8 e 10 anos, segundo o  Ministério da Saúde  .  Em um  Relatório sobre Demência , a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que mais de 55 milhões de pessoas no mundo possuem algum tipo dessa doença, sendo mais de 60% dessas pessoas habitantes de países de baixa e média renda. A previsão é de que esse número ultrapasse mais de 130 milhões no ano de 2050. Outros dados apresentados na publicação indicam que a demência é a sétima maior causa de morte no mundo e que, em 2019, representou um custo global superior a 1 trilhão de dólares. Com o intuito de criar ações para o tratamento e a conscientização sobre a Doença de Alzheimer e de demências, em junho de 2024, foi instituída a...

SBQ.Covid19 - Uso indiscriminado de álcool contra o coronavírus aumenta riscos de queimaduras

SBQ.Covid19 - Uso indiscriminado de álcool contra o coronavírus aumenta riscos de queimaduras Com a recomendação do uso de álcool 70% para limpar superfícies e higienizar as mãos em razão da pandemia de coronavírus, acende-se um novo alerta: o risco de acidentes com queimaduras. Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ) tem buscado conscientizar a população sobre os cuidados no manuseio e estoque deste produto.“É extremamente necessário redobrar o cuidado com a presença do álcool em casa, especialmente com crianças. Guardar em local que elas não acessem e não utilizar o álcool perto de chamas, como fogão e velas”, frisa o presidente da SBQ, José Adorno.Diante da baixa nos estoques de álcool em gel, a Câmara dos Deputados aprovou a liberação da venda do álcool líquido 70% para o consumidor individual. A proposta segue para votação no Senado. Porém, há uma previsão de que a Anvisa publique uma nova portaria, estabelecendo a venda em embalagens de até 50...

Prefeitura de Niterói prepara plano de transição gradual para uma nova normalidadePrefeitura de Niterói prepara plano de transição gradual para uma nova normalidade

Prefeitura de Niterói prepara plano de transição gradual para uma nova normalidade Fonte: Site da Prefeitura de Niterói                                                                                                                                                18/5/2020 A Prefeitura de Niterói inicia na próxima quinta-feira (21) uma transição gradual para uma nova normalidade. O anúncio foi feito neste domingo (17) pelo prefeito Rodrigo Neves, em pronunciamento nas redes sociais. O plano, que está sendo desenvolvido por técnicos da prefeitura, especialistas da Fiocruz, UFF, UFRJ e representantes de entidades empresariais ser...