Nota sobre o uso da cloroquina/hidroxicloroquina para o tratamento da COVID-19
Uma das razões para o impressionante impacto da pandemia da COVID-19 na saúde mundial é a inexistência, até o presente momento, de vacinas ou antivirais específicos aprovados para prevenir ou tratar a enfermidade, cuja letalidade real ainda nos é incerta, pois depende grandemente da disponibilidade de testagem ampla e da qualidade do serviço de saúde.
Diante das enormes dificuldades para se desenvolver, em período curto, fármacos e vacinas específicas para tratá-la e preveni-la, a atenção se volta para fármacos já existentes e com segurança atestada pelo largo uso. Alguns estudos demonstraram que fármacos já usados para outras doenças têm atividade in vitro contra o SARS-CoV-2, agente etiológico da Covid-19. Os estudos foram feitos em laboratório em culturas de células (células genéricas do tipo Vero, obtidas a partir do rim de macacos), em ambiente que não corresponde ao que ocorre no organismo humano. Isso aconteceu com a cloroquina (CQ) e a hidroxicloroquina (HCQ), fármacos amplamente utilizados, de baixo custo, com registro em todos os países, e cujo reposicionamento no uso para outras doenças prescindiria de estudos iniciais de segurança de fase I, realizado em pessoas sadias1–5. Maisonasse et al.6 realizaram o primeiro estudo de HCQ para SARS CoV-2, combinada ou não com azitromicina, em células do trato respiratório e em modelo animal (utilizando camundongos transgênicos e primatas não humanos). Esses autores confirmaram o efeito antiviral da HCQ em células genéricas do tipo Vero. Contudo, ao avaliar a ação da HCQ em células do trato respiratório humano, o mesmo efeito não foi encontrado. Os autores também testaram a ação do fármaco isolado ou em combinação com azitromicina, em todas as fases do COVID-19 em animais (fase profilática, fase inicial, fase intermediária, e fase grave) e não observaram redução da carga viral, dos sintomas nem do comprometimento pulmonar em nenhum caso, concluindo que testes em humanos com COVID-19 seriam dispensáveis.
A falta de atividade in vitro da HCQ em células do trato respiratório humano6 é explicada pela necessidade de receptores específicos para entrada dos vírus na célula. Esses receptores não são encontrados em células genéricas do tipo Vero, nas quais a atividade inibitória de HCQ havia inicialmente sido demonstrada. Hoffmann e colaboradores7 confirmaram que a entrada do SARS-CoV2 nas células respiratórias ocorre através de mecanismo distinto daquele que é inibido pela HCQ. Inúmeros estudos demostraram que a CQ é capaz de inibir, in vitro, a replicação dos vírusda raiva, da poliomielite, das hepatites A e C, influenza A e B, enterovírus EV-A71, Chikungunya (CHIKV), dengue, zika, vírus de Lassa, Hendra e Nipah, da febre hemorrágica da Crimeia-Congo, vírus Ebola, imunodeficiência humana (HIV), coronavírus da síndrome respiratória aguda grave (SARS-CoV) e vírus herpes simplex 8–30. Em geral, são necessárias doses mais elevadas do que as utilizadas para o tratamento da malária, indicação tradicional para o uso da CQ. No entanto, nenhum estudo in vivo confirmou a eficácia da CQ para o tratamento de qualquer uma dessas viroses, motivo pelo qual ela permanece utilizada, com a eficácia e segurança, apenas para o tratamento da malária, principalmente por Plasmodium vivax, uma das mais importantes espécies causadoras da doença no homem.
A CQ não impediu a infecção por influenza em ensaios clínicos randomizados31,32 nem apresentou atividade contra os vírus ebola, CHIKV, influenza e Nipah em modelos animais8,33–37. Em um modelo de infecção por CHIKV em primatas não-humanos, o tratamento com CQ agravou a febre, retardou a resposta imune celular e se associou com depuração viral incompleta37. Um estudo clínico mostrou que o uso de CQ não se associou à melhora do curso da infeção por CHIKV38, nem à diminuição da frequência de artralgia crônica após a infecção37. A CQ não é recomendada para o tratamento de pacientes com infecção pelo HIV39–43.
A CQ apresenta efeito modesto na redução da carga viral de hepatite C, quando associada a interferon peguilado e 44–46 não sendo um fármaco indicado para o tratamento dessa infecção.
A HCQ, análogo da CQ, mas com perfil mais favorável de segurança renal e ocular, é utilizada para o tratamento de doenças autoimunes em função de seu efeito imunomodulador, tendo se mostrada ativa contra SARS-CoV-2 em experimentos in vitro, em doses menores que CQ5. Uma revisão sistemática de 86 artigos envolvendo 127 pacientes mostrou equilíbrio de toxicidade cardiológica com os dois fármacos (CQ e HCQ), embora a toxicidade ocular seja maior em pacientes em uso prolongado de CQ47.
Os estudos com pacientes com COVID-19 utilizando CQ e HCQ são elencados abaixo, conforme gravidade dos pacientes envolvidos. Na abordagem clínica das doenças infecciosas, a fase da doença pode influenciar o resultado da ação e influir na indicação de um agente antimicrobiano. No entanto, não há razão para se postular a ausência completa da ação em fases mais avançadas, e/ou que ela seja exclusiva nas fases iniciais e leves de uma doença infecciosa. Seria como não recomendarmos a administração de antibióticos em pacientes com sepse grave, na UTI.
Em princípio, a ação de um antimicrobiano será tanto melhor quanto menos microrganismos existirem e, quanto mais imediato for o início do tratamento de uma doença infecciosa, melhor se espera que seja o resultado. A questão em debate se refere à ação de CQ/HCQ como antiviral, em que se pretende diminuir a quantidade de vírus, reduzindo, assim, as complicações graves da evolução da infecção.
PACIENTES GRAVES COM COVID-19.....( leia mais)
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