Pular para o conteúdo principal

Quando a clínica se transforma em camarim: projeto da UFF recupera saúde bucal e autoestima de mulheres com câncer

Num dos mais clássicos contos de fada da humanidade, chamado Cinderela, uma bela e maltrapilha jovem, que tinha a vida controlada pela madrasta, consegue escapar da prisão onde morava para ir ao encontro de um príncipe, em um baile, com a ajuda de sua fada madrinha. Não por acaso, esse é também o nome do projeto da Faculdade de Odontologia da UFF que acolhe mulheres com câncer para o tratamento de afecções bucais e resgate de sua autoestima.
De acordo com a idealizadora da iniciativa e estudante de odontologia, Stephanie Souza Almeida, “o nome Cinderela foi escolhido porque teríamos fadas madrinhas que transformariam essa mulher fragilizada em uma mulher princesa”. Mas a ideia é que as transformações perdurem muito além da meia noite, momento em que, no conto de fadas, o encanto é desfeito e Cinderela retorna à sua vida de gata borralheira. Segundo Stephanie, as mudanças são visíveis e também duradouras: “conseguimos tirar muitas mulheres de um quadro de reclusão e depressão. Conseguimos ajudar numa melhor aceitação da doença. Consequentemente, o tratamento progride de forma diferente”.
Não se trata de mágica, como no conto original de Cinderela: são muitas pessoas trabalhando para alcançar resultados tão positivos. Quatro vezes ao ano, um grupo de mais de cinquenta alunos voluntários, professores e também assistentes externos, se reúne em um dos prédios de odontologia da UFF para receber essas mulheres, selecionadas após uma divulgação realizada pelos participantes do projeto.
Assim que chegam ao local, elas passam por um atendimento odontológico para levantamento de suas principais necessidades e também para que sejam repassadas orientações e informações a respeito de sua saúde bucal. De acordo com Lucíola de Luca, professora responsável pelo projeto, “normalmente, é feita uma profilaxia, fechamento de cavidades, alguns ajustes de próteses, levando em consideração a queixa do próprio paciente. Em relação às demandas que não podem ser solucionadas no período de atendimento de uma hora, buscamos uma vaga em uma das clínicas ambulatoriais da faculdade”, explica.
Lucíola enfatiza a importância de haver uma conscientização sobre os prejuízos causados à saúde bucal durante o tratamento de câncer, que são desconhecidos por muitos: “quando você recebe um diagnóstico como esse, a última coisa que você vai pensar é em saúde bucal. Como infelizmente em nosso país nem todo mundo está em dia com os cuidados odontológicos, os problemas que já existem se somam aos que acabam ocorrendo em função do tratamento, causando além de desconforto complicações bastante sérias”.
No projeto, após passarem pela fase de tratamento odontológico, as pacientes participam de atividades para trabalhar a sua autoestima, que vão desde maquiagem profissional, até oficina de lenços, onde aprendem a fazer diferentes tipos de amarrações. Além disso, elas se produzem com acessórios, recebem massagem nas mãos, fazem uma sessão de fotos, integram uma oficina de meditação e, ao final, se reúnem em uma roda de conversa, para trocar experiências e fortalecer essa rede de apoio que passam a formar.
De acordo com a professora, “nos estudos observa-se como uma boa autoestima influencia positivamente a paciente durante o tratamento. A perda do cabelo, a mudança da cor da pele, as olheiras... Todo esse abatimento leva muitas vezes a um desânimo e a uma depressão que impedem até a continuidade do tratamento oncológico. A estratégia de juntar a saúde bucal com a melhora da autoestima é justamente fazer com que a mulher acredite que é possível ser feliz mesmo em um momento tão difícil”, ressalta.
Para a dona de casa Palmira Silva de Brito, que há um ano e meio luta contra um câncer de mama, participar do projeto a ajuda de muitas maneiras. Segundo ela, “o que não pode é ficar apavorado quando se escuta essa palavra e achar que acabou tudo. Com autoestima, amor próprio e alegria de viver, tudo vai dando certo. Além disso, com outras pessoas junto é muito mais fácil do que sozinho”.  
Outro braço importante do projeto é o de capacitação de estudantes, por meio de palestras periódicas, para o atendimento a pacientes imunologicamente comprometidos. Lucíola destaca que o mais interessante dessa iniciativa é sua característica de multiplicidade de ações, envolvendo diferentes atores no processo e impactando não somente a comunidade universitária, mas a sociedade como um todo: “ao mesmo tempo em que estamos devolvendo à sociedade todo o investimento que recebemos com um atendimento especializado a uma pessoa que está passando por um momento tão difícil, estamos especializando nosso aluno, preparando um profissional muito mais capacitado e humanizado. Não estamos ensinando somente uma metodologia profissional, mas a lidar com o ser humano num momento frágil, com toda a técnica e conhecimento científico disponível. E isso só é possível numa universidade pública”, arremata.
Prova disso é que, no último encontro do projeto, uma das pacientes surpreendeu a todos com um depoimento sobre o acolhimento diferenciado que havia recebido pelos alunos de odontologia. Segundo Lucíola, “ela ficou encantada com a recepção porque ninguém teve medo de tocá-la”. Para a professora, muitos profissionais costumam temer o atendimento de pessoas com câncer, o que se deve, em grande parte, à falta de conhecimento. Por isso, ela reforça a relevância desse tipo de ensino para os estudantes, que “vão sair da universidade capazes de atender não somente o paciente em tratamento oncológico, mas também quem está acometido por qualquer doença crônica, com mais atenção, um acolhimento especial, um olhar mais carinhoso para a população”.
Mas não são somente os alunos ou as pacientes que se beneficiam diretamente do projeto. Todas as pessoas envolvidas têm suas vidas igualmente transformadas. Segundo a idealizadora da iniciativa, Stephanie Almeida, “muitas vezes participamos do projeto achando que vamos ensinar alguma coisa para essas mulheres. Na verdade, quando vamos embora, vemos que quem aprendeu foi a gente. A lição que nos dão é a de que não podemos escolher nossos desafios pessoais, mas a forma como iremos enfrentá-los. Isso faz toda a diferença na nossa postura diante dos problemas do dia a dia”, conclui.
Inscrições no Facebook: Projeto Cinderela 

Comentários

Populares

UFF Responde: Hanseníase

  A hanseníase carrega um histórico marcado por preconceito e exclusão. Por décadas, pacientes foram afastados do convívio social, confinados em colônias devido ao estigma em torno da doença. Hoje, embora os avanços no diagnóstico e no tratamento tenham transformado essa realidade, o combate ao preconceito ainda é um desafio. No Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, neste ano celebrado em 26 de janeiro, a campanha do “Janeiro Roxo” reforça a importância da conscientização, do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento gratuito oferecido pelo SUS, que ajuda a desconstruir mitos e ampliar o acesso à saúde. Em 2023, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados 22.773 novos casos da doença no Brasil. Por isso, a Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase, estabelecida para o período 2024-2030, trouxe metas importantes, como a capacitação de profissionais de saúde e a ampliação do exame de contatos, que visam à eliminação da hanseníase como problema de...

Morte de turista no Cristo Redentor: cardiologista explica como um desfibrilador poderia ter evitado a tragédia

  A morte do turista gaúcho Jorge Alex Duarte, de 54 anos, no Cristo Redentor, no último domingo, trouxe à tona a falta de estrutura para atendimentos de emergência em um dos principais cartões-postais do Brasil. Jorge sofreu um infarto fulminante logo após subir parte da escadaria do monumento, mas não havia socorristas nem um desfibrilador disponível no local. Para o cardiologista e professor do Curso de Medicina da Unig, Jorge Ferreira, o uso rápido do equipamento poderia ter feito toda a diferença no desfecho da tragédia. "O desfibrilador é o principal aparelho que precisa estar disponível em casos de parada cardíaca. Ele funciona como um relógio da sobrevida: a cada minuto sem atendimento, as chances de sobrevivência diminuem. Se o paciente tiver um ritmo chocável (quando é necessário um choque elétrico para voltar à normalidade), o desfibrilador pode aumentar significativamente as chances de salvá-lo", explica o médico, que também é coordenador do Laboratório de Habili...

Anvisa aprova 1ª insulina semanal do país para o tratamento de diabetes tipo 1 e 2

  A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, nesta sexta-feira (7) a primeira insulina semanal do mundo para o tratamento de pacientes com diabetes tipo 1 e 2. O medicamento insulina basal icodeca é comercializado como Awiqli e produzido pela farmacêutica Novo Nordisk, a mesma que produz Ozempic. A aprovação foi baseada nos resultados de testes clínicos que mostraram que o fármaco é eficaz no controle dos níveis de glicose em pacientes com diabetes tipo 1, alcançando controle glicêmico comparável ao da insulina basal de aplicação diária. Os pacientes que utilizarama insulina basal icodeca mantiveram níveis adequados de glicemia ao longo da semana com uma única injeção. O medicamento também demonstrou segurança e controle glicêmico eficaz, comparável ao das insulinas basais diárias, em pacientes com diabetes tipo 2. A insulina icodeca permitiu um controle estável da glicemia ao longo da semana com uma única injeção semanal, sendo eficaz em pacientes com diferentes ...

Vacina brasileira contra dengue estará no SUS em 2026, diz governo

  O governo anunciou, nesta terça-feira, a incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) da primeira vacina brasileira contra a dengue de dose única, produzida pelo Instituto Butantan. Isso vai valer a partir de 2026. O imunizante será destinado para toda a faixa etária de 2 a 59 anos e será produzido em larga escala, de acordo com o governo. O anúncio foi feito em cerimônia com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Segundo o governo, a partir do próximo ano, serão ofertadas 60 milhões de doses anuais, com possibilidade de ampliação do quantitativo conforme a demanda e a capacidade produtiva. Fonte: Jornal Extra

UFF Responder: Dengue

 🦟 A elevação do número de casos de dengue no Brasil tem sido motivo de preocupação no âmbito da saúde pública. Entretanto, com a campanha de vacinação, a esperança é que a população esteja imunizada e que a mortalidade caia.  🤔 Para esclarecer as principais dúvidas acerca da dengue, conversamos com a professora Cláudia Lamarca Vitral, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFF. 💬 A docente aborda temas como as razões para o aumento dos casos, as diferenças entre os sorotipos do vírus, sintomas, infecções simultâneas e as principais medidas no combate à proliferação da doença. Além disso, também elucida questões sobre a tão esperada vacina. Leia a matéria completa pelo link: https://bit.ly/3SuOZXV #UFFResponde