A hanseníase carrega um histórico marcado por preconceito e exclusão. Por décadas, pacientes foram afastados do convívio social, confinados em colônias devido ao estigma em torno da doença. Hoje, embora os avanços no diagnóstico e no tratamento tenham transformado essa realidade, o combate ao preconceito ainda é um desafio.
No Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, neste ano celebrado em 26 de janeiro, a campanha do “Janeiro Roxo” reforça a importância da conscientização, do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento gratuito oferecido pelo SUS, que ajuda a desconstruir mitos e ampliar o acesso à saúde.
Em 2023, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados 22.773 novos casos da doença no Brasil. Por isso, a Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase, estabelecida para o período 2024-2030, trouxe metas importantes, como a capacitação de profissionais de saúde e a ampliação do exame de contatos, que visam à eliminação da hanseníase como problema de saúde pública e à promoção da dignidade e da inclusão para os pacientes.
Neste UFF Responde, convidamos a professora do Departamento de Medicina Clínica, Sandra Durães, e a professora do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Marilda Andrade, para esclarecer as principais características e particularidades dessa doença.
Como é feito o diagnóstico da hanseníase e como podemos identificar precocemente a doença em populações vulneráveis?
Marilda Andrade: O diagnóstico é clínico com avaliação dermatoneurológica, além de exame laboratorial da linfa com baciloscopia e biópsia de pele das lesões. Ainda, a população pode contar com o Sistema Único de Saúde (SUS), que realiza atendimentos principalmente ambulatorialmente na Estratégia Saúde da Família, a partir da distribuição de medicamentos.
Quais ações educativas são mais eficazes para conscientizar a população sobre a hanseníase?
Sandra Durães: Todas as ações são válidas, desde informações disseminadas nos veículos tradicionais de comunicação – como Rádio e TV – assim como nas redes sociais. Além disso, atividades informativas nas salas de espera das unidades de saúde também são interessantes.
A educação em saúde é muito importante para que tanto os profissionais de saúde quanto a população conheçam as manifestações da doença e oportunidades de diagnóstico não sejam perdidas. As pessoas com maior risco de adoecer são as de maior contato com os pacientes, ou seja, as que conviveram com o paciente antes do tratamento. Todas que residiram com o paciente nos últimos 5 anos devem ser examinadas com o objetivo de identificar lesões iniciais da pele e dos nervos.
O que explica o estigma social em torno da hanseníase e como ele pode ser combatido?
Sandra Durães: Como atinge os nervos periféricos, os pacientes perdem a sensibilidade. Logo, o paciente pode demorar a perceber uma panela com água quente e se queimar, assim como pode não sentir uma pedrinha no sapato. Esses machucados podem gerar infecções por bactérias comuns, que podem atingir os ossos e por fim levar a absorção das extremidades e deformidades. Essas deformidades geram o estigma secular relacionado à doença. Sabe-se, ainda, que dentre as pessoas que entram em contato com a bactéria, apenas um pequeno percentual pode adoecer – e o diagnóstico e o tratamento precoces permitem uma cura sem sequelas. É importante ressaltar que não é necessária qualquer medida higiênica ou de isolamento domiciliar, como separação de talheres e mudança de quarto, pois, após a primeira dose supervisionada, a chance de contágio cai drasticamente.
Quais os maiores desafios no tratamento e acompanhamento dos pacientes?
Sandra Durães: A hanseníase é uma infecção curável e o prognóstico é ótimo na maior parte dos casos. No entanto, está diretamente ligado ao tempo de evolução da doença, visto que, ao passar do tempo, aumenta a possibilidade de dano neural, e, apesar de o tratamento eliminar a bactéria e a transmissão da doença, não é capaz de reverter um dano neural já estabelecido. Portanto, é muito importante que a população seja esclarecida sobre os principais sinais e sintomas da doença e procure assistência médica o mais rápido possível. Um dos principais desafios é a adesão do paciente ao tratamento, que tem longa duração, de 6 a 12 meses, de acordo com a gravidade do caso.
A descentralização do atendimento é outro grande desafio, pois as equipes de atenção primária têm grande rotatividade. É essencial manter as capacitações contínuas das equipes de saúde da família e demais profissionais de saúde da atenção básica, para que estes se habilitem a fazerem um diagnóstico precoce. Além destas, são fundamentais outras ações de controle como o exame dos contactantes dos pacientes, a realização do teste rápido que identifica os contatos com maior chance de adoecer e a aplicação da vacina BCG.
Quais são as metas da Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase? O que falta para o Brasil alcançar a meta de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública?
Marilda Andrade: Segundo o novo plano, a capacitação de profissionais, o diagnóstico precoce e a divulgação dos sinais e sintomas pela mídia são estratégias constantes, bem como as campanhas locais através do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan).
No entanto, a avaliação clínica ainda é frágil, visto que muitos recém-formados ainda desconhecem sinais e sintomas. Por isso, a ampla divulgação da hanseníase nos campos de formação, o fortalecimento da capacitação técnica para o diagnóstico precoce e o acompanhamento seguro do cliente serão etapas futuras a perseguir e evoluir.
Há lições de outros países que o Brasil poderia adotar no enfrentamento da hanseníase?
Marilda Andrade: Os países que mais possuem casos são o Brasil e a Índia, e, nestes, as ações são semelhantes. O apoio internacional das ONGs ajudam, mas são as ações governamentais que desenvolvem a constância no processo, principalmente a partir dos sistemas de saúde.
Qual é a importância de iniciativas como o “Janeiro Roxo” no combate ao estigma e na ampliação do acesso ao diagnóstico e tratamento da hanseníase?
Sandra Durães: A campanha colabora para que, a partir da mídia, se desfaçam os mitos e seja possível divulgar os sinais e sintomas da doença. O impacto também chega aos pacientes, pois estes podem constatar que outras pessoas também estão se tratando da hanseníase. Além disso, é mais uma oportunidade para esclarecer dúvidas e reforçar os conhecimentos sobre a necessidade de manter a regularidade do tratamento e a importância do exame de contatos.
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