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Os Livros que conquistaram seu espaço no século XXI

Pesquisa revela que brasileiros compraram 9,8% mais livros a mais do que no ano passado. Será mesmo que as velhas páginas de papel foram aposentadas?

Sempre que surge uma nova tecnologia, há os que pregam o fim dos artifícios anteriores, inflamando debates, espalhando as ideias futuristas. Mas como decretar o fim do livro? Seria possível viver sem o toque dessas folhas, o cheiro da tinta, a admiração pela arte da capa? Uma possível resposta está na pesquisa realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE/USP) sobre “Produção e vendas do setor editorial brasileiro”. Em 2011, o número de livros comercializados pelas editoras foi de 469,5 milhões no País, um aumento de 7,2% em relação a 2010, atingindo a marca de R$ 4,837 bilhões, um faturamento 7,36% superior ao ano anterior.

Encomendada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), a pesquisa mostra que o brasileiro compra livros em maiores quantidades no segmento Científicos, Técnicos e Profissionais (CTP), cerca de 36 milhões de exemplares; em segundo lugar estão os livros de literatura e, em terceiro, os religiosos. Considerando apenas as vendas para mercado, o brasileiro lê mais, pois comprou 9,8% livros a mais em 2011.

“Com base no crescimento de alguns canais de comercialização, é possível aferir que o setor tem apostado cada vez mais nas vendas às classes C e D. Os supermercados, cuja participação no volume de exemplares vendidos pelo setor passou de 1,47%, em 2010, para 2,4%, em 2011, e as bancas de jornal, cuja participação foi de 0,36% para 2,21%, mostram que os editores têm procurado, cada vez mais, atingir um público mais amplo”, afirma a presidente da CBL, Karine Pansa.

Em literatura, os festivais contribuem para que o gênero se mantenha na segunda posição. Na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que completou dez edições este ano, o título mais vendido na Livraria da Vila foi “Sagrada família”, de Zuenir Ventura (ver entrevista na página 4), com mais de 400 exemplares; a caixa com três livros do poeta Carlos Drummond de Andrade, homenageado da edição este ano, foi o terceiro mais vendido.

“O contato com os autores estimula a compra, a atmosfera é muito particular. O nome e o conjunto da obra contam, mas o que vale mesmo são as palestras, o carisma”, justifica Rafael Seibel, coordenador de marketing da livraria da Flip.

Após um hiato de três anos, o Salão de Leitura de Niterói ressurgiu, este ano, em sua terceira edição. O evento ocorreu entre os dias 22 e 30 de junho no Teatro Popular e recebeu mais de 90 mil participantes.

O curador da feira, professor e pesquisador da PUC-Rio, Júlio Diniz, concorda que tenha aumentado o interesse pela leitura e que boa parte desse crescimento se deve aos novos suportes das tecnologias da informação e da comunicação, como a internet e as redes sociais. Segundo ele, as pessoas passaram a escrever e a ler mais, até mesmo pela necessidade de fazê-lo. No entanto, o pesquisador sente falta de um direcionamento das pesquisas quanto à questão do conteúdo consumido. 

“O foco deveria ser: o que se está lendo? Aumentou o interesse por qual produto? As pesquisas apontam muito a questão quantitativa, mas onde está a questão qualitativa da coisa?”, questiona.
As comunidades pacificadas também ganharam sua festa literária. A Flupp será realizada em novembro no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, no Centro do Rio, abrangendo as comunidades com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e também as cidades de São Gonçalo, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Durante o mês de julho, mais de 40 participantes produziram textos de acordo com o tema dado na semana e o material foi avaliado por uma banca de escritores. O professor e poeta Rodrigo Santos, de 35 anos, de São Gonçalo, ficou em primeiro lugar geral. Seus textos, junto com os dos outros participantes, serão publicados em livro a ser lançado durante o festival.

“A Flupp foi uma experiência sensacional. A música chega, o cinema chega, só falta a literatura chegar às comunidades e essa é a arte mais barata de ser produzida. Com papel de pão e caneta dá para fazer o maior poema do mundo”, defende Rodrigo, que é um dos produtores do movimento “Uma noite na taverna”, que incentiva a poesia há oito anos na cidade.

Mesmo à luz dos grandes lançamentos internacionais, a diversidade da produção nacional vem sendo garantida, principalmente, pela atuação das pequenas editoras, como a niteroiense Muiraquitã. É o que explica a editora Labouré Lima. Para ela não basta, contudo, ser nacional, é preciso que o livro tenha qualidade para garantir a competitividade no setor. 

“Acho que é fundamental o editor colocar ao alcance do público leitor um material que dê formação, que dê conteúdo. A massa humana tem perdido muito em conteúdo com a questão do marketing massivo, estamos engolindo, por assim dizer, muita coisa sem qualidade, porque o marketing faz isso mesmo”, diz. 

Entre seus novos destaques estão: a escritora Ananita Rebouças, que despontou num blog e levou para as páginas da antologia “O perfume da palavra Vol. III” alguns dos seus textos; o nicaraguense naturalizado brasileiro Marne Serrano Caldera e sua esposa, a pianista Licia Lucas, com “A genealogia do piano”, que acaba de ser traduzido para o espanhol; e Geraldo Aymoré Júnior, com o romance “Shalla M´Bembe: nobre na Savana e na senzala”, sucesso de vendas pela editora já em seu lançamento no estande Letras de Niterói durante a última Bienal do Livro, no Rio.

“Há uma fome, uma sede de informação no Brasil que nunca houve antes. Os livros estão muito mais interativos, há uma revolução cultural e com isso as livrarias estão mais cheias”, afirma Antônio Gomes Eduardo, proprietário da livraria Gutenberg.

Novos autores e fomentadores

Incentivar milhares de adolescentes a descobrir o prazer da leitura na era da comunicação digital pode não parecer uma tarefa fácil, mas é o objetivo das jovens escritoras niteroienses Carolina Estrella, de 24 anos, e Fernanda Belém, de 29 anos. Para quem pensa que lugar de escritor é em frente ao computador, elas tratam logo de mostrar que não é bem assim, e passando uma borracha na imagem de escritor ermitão, solitário, vão ao encontro de seus leitores, buscando promover a partir dessa interação o interesse pela leitura.

Para a dupla, que em maio se uniu a outras seis autoras formando o grupo literário “Entre linhas e letras”, visando cumprir a tarefa, o escritor “precisa expor-se, expor sua obra por todos os meios sociais que puder dispor”.

“Os mais jovens não leem pouco simplesmente pelo fato de não gostarem, mas por desconhecimento”, salienta Carolina.

Com o grupo, elas já visitaram algumas unidades de ensino do Rio e Niterói e apesar de, no curto período, já terem recebido convites de escolas de todo o País, observam que ainda falta patrocínio para custear toda essa andança. A burocracia também atrapalha um pouco.

“As escolas custam a entender que nosso objetivo não é vender nossos livros, mas estimular a leitura como um todo”, diz Fernanda. 

A pretensão do grupo, no entanto, é sim levar palestras e oficinas de leitura a livrarias, escolas, públicas ou privadas, feiras e onde mais for possível, a fim de estimular a leitura de livros nacionais, ampliando os horizontes do mercado editorial brasileiro e provando “que o Brasil é um país de bons leitores, tanto quanto é de bons escritores”. O grupo busca ainda imprimir nos encontros uma atmosfera descontraída, divertida e atrativa, com direito a sorteios, brindes, brincadeiras e muito bate-papo. 

Considerada autora revelação do público jovem, Carolina acaba de lançar mais um livro: “Garota apaixonada em férias”, da Matrix Editora, o segundo de uma série voltada para o público teen. O primeiro foi “Garota apaixonada em apuros” e há previsão de mais um. 

Uma coisa que a escritora não tem vergonha de assumir e faz muitos adolescentes se identificarem é que, assim como eles, também não lia muito, principalmente os clássicos. 

“Hoje penso o quanto perdi com isso, pois a leitura amplia nosso vocabulário, ajuda na comunicação, a nos expressarmos melhor. Por isso, sinto tanta necessidade de levar esse hábito às crianças e jovens, mostrando que a leitura pode ser divertida. Talvez eu mesma tivesse desenvolvido esse hábito antes se tivesse tido uma oportunidade como essa, de conhecer escritores e seus trabalhos”. 

Já Fernanda, que chegou a trabalhar na área em que se formou (jornalismo), como assessora de imprensa de um clube de futebol – aliás, o esporte é outra paixão da escritora, que pretende em breve escrever um livro voltado para o tema – fala sobre as dificuldades que teve. Ela resolveu, em 2009, levar adiante seu projeto de escrever um livro, e o fez em seis meses. “Louca por você”, porém, só foi lançado no final de 2011. 

“Foi um ano e meio complicado. Muita burocracia”, resume. 

A jovem conta que conheceu “o mundo mágico da leitura” através das obras de Monteiro Lobato que encontrou na estante do avô. Aos oito anos, escreveu a primeira história, um conto que Bia Bedran incluiu em seus espetáculos. E entrou na faculdade de jornalismo para escrever textos e mais textos. 

Indagadas sobre a febre da literatura fantástica protagonizada por bruxos e vampiros, e polemizada por muitos autores, as autoras respondem ser favoráveis a todo tipo de leitura. Para elas, não apenas clássicos, mas todos os “contos, histórias de terror, humor, romances, e até mesmo gibis, são importantes para aumentar o vocabulário, para conhecer outras culturas, para aumentar a criatividade e a imaginação, para melhorar a estrutura da escrita ou, simplesmente, para fazer sonhar”. 

Sobre o desafio de escrever para um público conhecido por ler tão pouco, ambas ressaltam que o problema da falta de leitura no País está na maneira como os livros são introduzidos na vida das pessoas. 

 “Acreditamos que há uma falha das escolas nesse sentido. Não adianta querer que um aluno que nunca teve o hábito de ler, leia um clássico de não sei quantas páginas, enquanto muitos professores sequer o fizeram. Obrigar não é a solução, pois o interesse pela leitura se dá pela forma como esta é apresentada. Acreditamos que, primeiro, os jovens precisam descobrir o sabor das letras, para apreciar os clássicos e viajar na literatura”, conclui Fernanda.

O agitador cultural João Luiz de Souza, que promove o “Corujão da poesia – Universo da Leitura” em Niterói há quatro anos, credita o aumento de venda de livros à “militância pelo prazer da leitura”. Para ele, as redes sociais abriram portas para a manifestação de opiniões, incentivos e divulgação de títulos que antes ficavam restritos aos leitores vorazes.

“Havia uma certa apatia, mas graças às redes sociais e algumas agendas políticas de leitura, as pessoas passaram a se manifestar. Não basta ler o livro, é preciso compartilhar. O mais importante é o fato de leitores vorazes se transformarem em militantes. Não botam mais o livro na estante, divulgam, libertam o livro, escrevem sobre ele. Torço para que esses militantes se multipliquem, conquistem quem não encontrou o livro que seduz, o segmento que agrada”, afirma.
Músico e escritor, autor do livro “Tabuleiro de egos”, Paulo Betto Meirelles, de 23 anos, vê com surpresa a literatura como o segundo segmento mais vendido no País, creditando o fato ao elevado número de relançamentos de clássicos. Porém, ele não vê na vendagem maior um sinônimo de qualidade e compara a postura das editoras em relação ao material artístico a de gravadoras e emissoras de televisão, que “confundem qualidade com popularidade”.

“As editoras, de um modo geral, investem em autores cujas obras tenham apelo popular e cometem o mesmo grave erro que as grandes gravadoras, emissoras de televisão e todas as outras “empresas” que são responsáveis por promover o acesso do público ao material artístico. Reduzem tudo à publicidade. Elas (as empresas), em sua grande maioria, não buscam novos caminhos e mecanismos para promover a descoberta de novos artistas. Fomentar novos escritores. Alterar, propor, arriscar. Formar leitores é criar seres que se comprometem com as odisseias internas de si mesmos. É importante que se criem alicerces, auxílios reais”, declara.

Foco das editoras no público infantil

Apesar de a pesquisa não analisar individualmente a produção e a venda de livros infantis no mercado nacional, dados isolados de editoras especializadas neste público também revelam crescimento no setor. 

De acordo com o superintendente da Editora Melhoramentos, Breno Lerner, o volume vendido pela empresa não apenas acompanhou o crescimento nacional, como o ultrapassou. De 2010 para 2011, houve um crescimento de 24,5% nas vendas. 

O editor da Matrix, Paulo Tadeu, também destaca o significativo crescimento do segmento infantil. Para ele, contudo, ainda é o setor de livros didáticos “quem dá as cartas no País, via compras governamentais”. Sobre os fatores que propiciaram o crescimento apontado pela pesquisa da CBL, Tadeu acredita que seja “decorrente da maior alfabetização das pessoas”. Mas, para ele, “ainda está longe de ser algo significativo”. 

Já a EdUFF, editora da Universidade Federal Fluminense, destaca que o mercado infantil crescerá cada vez mais (ela lançou duas edições este ano) e os reflexos serão sentidos a partir do momento que as publicações focarem na formação de leitores.

Fonte : O Fluminense



 

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