Pular para o conteúdo principal

Documentário discute parto normal, cesárea e nascimento 'humanizado'

O aumento no número de cesarianas no Brasil, que já chegam a 52% do total de nascimentos, e os benefícios do parto normal em casa ou no hospital são temas do documentário "O renascimento do parto", de Érica de Paula e Eduardo Chauvet, cuja estreia no país ocorre a partir desta sexta-feira (9).

O filme alterna depoimentos de mães, parteiras, médicos obstetras, especialistas e cenas de partos e paisagens, ao som de uma trilha bastante emotiva. Entre os especialistas entrevistados, estão a antropóloga americana e ativista do parto natural Robbie Davis-Floyd, a epidemiologista e professora da Universidade de Brasília (UnB) Daphne Rattner e a enfermeira obstetra Heloisa Lessa.
A ideia do documentário, segundo os diretores, é destacar a importância do parto normal – que, como defendem, poderia ser feito em até 90% dos casos, contra 10% gestações de maior risco – e do trabalho de parto, que "avisa" o bebê sobre seu tempo de maturidade e libera um coquetel de hormônios – como oxitocina ("do amor"), prolactina, endorfina e adrenalina – para ajudar mãe e filho nesse processo.
Além disso, o filme aponta os motivos diversos que teriam levado a um excesso de indicações de cesarianas, a não necessidade de tantas intervenções no bebê logo após o nascimento, a frequente falta de contato imediato dos filhos com as mães, nos dois tipos de partos, e o aumento de crianças prematuras ou com complicações que demandam uma UTI neonatal depois de uma cesárea, ligadas ao fato de que a criança ainda não estava "pronta" para nascer.
De acordo com Érica de Paula, que fez a pesquisa e o roteiro do documentário, ele não mostra o "outro lado", das vantagens da cesariana, porque "a visão contrária é o que a gente vê 24 horas por dia, sete dias por semana. Os 90 minutos que tínhamos para fazer o filme foram usados justamente para mostrar esse outro lado".
Cesáreas 'limitadas' a 15%
Segundo a obstetriz (profissional da saúde que atua em partos) Ana Cristina Duarte, que participou do documentário, "o que se calcula é que não mais do que 15% das mulheres têm problemas de saúde ou da dinâmica do parto que necessite algum tipo de intervenção". O problema, de acordo com os especialistas, é que os casos complicados são muito marcantes.

Essa também é a porcentagem recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como o limite máximo ideal de cesarianas em cada país. Mas em hospitais privados do Brasil, por exemplo, o número de cirurgias desse tipo chega a 90%, principalmente nas regiões Sul e Sudeste – o que vem sendo chamado por especialistas de "epidemia oculta" entre as classes sociais mais altas.
"Não é possível que quase 100% das mulheres tenham defeitos, problemas, e não possam ter bebês de forma natural. Nossos corpos não foram feitos para isso?", destaca Ana Cristina.
A obstetra Fernanda Macedo, outra entrevistada de "O renascimento do parto", acrescenta: "A cesariana é uma cirurgia maravilhosa que salva vidas todos os dias, mas ela não é para ser feita em todas as pacientes, de uma maneira desnecessária, fora do trabalho de parto. Quando mal indicada, põe o bebê em três vezes mais risco que o normal. (...) Hoje em dia, o parto no Brasil passou a ser um ato cirúrgico, em vez de um evento fisiológico".
"O paciente tem todo aquele ranço cultural de achar que o parto cesáreo é mais controlado, menos arriscado, que não tem risco nenhum, que o bebê dele vai ser salvo. (...) O médico, por sua vez, apesar de ter aprendido que o parto normal é seguro, que é bom para mãe e para o bebê, acaba acreditando um pouco nessa falsa verdade de que o parto cesáreo é mais seguro", diz Fernanda.
Para o obstetra Paulo Nicolau, que não participou do filme, mas compareceu à pré-estreia em São Paulo na segunda-feira (5), muitas pacientes acham "chique" fazer cesariana e logo pedem para o médico.
"O segundo problema é que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não regula essa situação, e o médico recebe cerca de R$ 200, R$ 300 por parto. O terceiro ponto é que, se der algum problema na criança – como paralisia –, e o caso for para a Justiça, a primeira coisa que o juiz vai perguntar é por que o médico não fez uma cesariana", enumera Nicolau. Segundo ele, os médicos atualmente estão desaprendendo a fazer parto normal, e a maioria já não sabe.
No filme, a obstetra Melania Amorim afirma que, "quando se entrevistam mulheres no pós-parto, elas muitas vezes acreditam que houve uma indicação real de cesariana. (Mas) Quando se entrevistam os médicos, eles vão atribuir a culpa da cesariana a uma decisão da mulher".
'Motivos' para o parto não ser vaginal
De acordo com a obstetriz Ana Cristina Duarte, quase tudo hoje em dia se tornou motivo para uma indicação de cesárea, muitas vezes sem necessidade.

"São dezenas de motivos: pressão alta, cordão umbilical enrolado no pescoço, falta de dilatação, bebê grande ou pequeno demais, mãe velha (acima de 30 ou 35 anos) ou jovem demais, gorda ou magra demais, sedentária, diabética. Também dizem que o parto normal dói demais, que a mulher pode ficar larga", diz Ana Cristina.
Segundo o obstetra Ricardo Chaves, muitas cesáreas são feitas por conveniência médica – já que são agendadas com antecedência e duram de 15 a 20 minutos, o que permite ao profissional voltar para o consultório, em vez de passar até 12 horas acompanhando um trabalho de parto.
"A gente tem muito mais internações em UTIs nas vésperas de grandes feriados, (...) porque evidentemente (os médicos) querem passar o feriado sem o susto de terem que sair de casa para atender um parto, mas isso faz parte da nossa escolha", diz Chaves.
A obstetra Fernanda Macedo complementa: "O valor que o plano paga não compensa você desmarcar um consultório inteiro. Você ganha mais numa tarde em consultório do que num parto. O plano de saúde, os hospitais não têm interesse na gestante de parto normal".
'Cabeça moderna atrapalha'
Na opinião da antropóloga e parteira mexicana Naoli Vinaver, que também fala no filme, "a cabeça da mulher moderna atrapalha muito", pois muitas são inseguras e se acham incapazes de dar à luz sozinhas.

Segundo a obstetriz Ana Cristina Duarte, a maioria das mães diz no início da gravidez que quer parto normal, mas muda de opinião ao longo do pré-natal. "Minam a coragem da mulher", acredita.
A pediatra e neonatologista Ana Paula Caldas, que participou de um debate sobre o documentário após a pré-estreia na capital paulista, destacou que "a mulher precisa confiar no próprio corpo e no poder que tem. Não somos frágeis e incapazes".
Para ela, ter um médico na sala de parto é o mesmo que ter um pediatra como baby-sitter. "É uma formação muito cara para atender a uma coisa tão básica, que é o parto. O caminho é tirar isso da mão do médico e deixar para as parteiras e obstetrizes", avalia.
Uma das mães que deram depoimento no filme é a nutricionista Andréa Santa Rosa Garcia, mulher do ator Márcio Garcia – que têm três filhos: o primeiro nascido por cesárea, a segunda por parto normal no hospital e o terceiro também natural, mas em casa.
"É muito legal você encarar a gestação não como um estado de alerta, de preocupação, de que pode dar alguma coisa errada, e sim 'Olha que bacana, ela está gerando uma vida, é uma gravida linda, olha que legal, que bênção'", diz Andréa no filme.
Ela também participou do programa Encontro com Fátima Bernardes desta quarta-feira (7), quando lembrou de sua segunda experiência como mãe. Ao engravidar de Nina, ela quis ter parto normal, mas sua médica disse que "uma vez cesárea, sempre cesárea".
"Eu olhei pra ela, tomei um susto e falei: 'Ué, mas eu não vou poder passar por essa experiência?' Ela não levou em consideração que eu sou jovem, saudável, me alimento bem, faço atividade física, ioga, me preparo, respiração, tudo isso. Então tive que ir para São Paulo fazer o parto normal", contou.
A roteirista Érica de Paula compara o parto normal a escalar uma montanha, e o pré-natal ao preparo da mochila. "Se você tem cãibra, para, respira. Aí pensa: se já chegou até aí, você transcende, supera o limite, dá conta. É diferente do que ir de helicóptero para ver a vista, você a alcançou", diz.
Interação mãe-filho e ritualização
O documentário também aborda questões como a importância de um contato íntimo entre a mãe e o bebê assim que ele nasce, em vez de a criança ser levada primeiro para fazer procedimentos médicos que poderiam esperar, na visão dos especialistas entrevistados. Além disso, eles acreditam que intervir demais pode trazer mais problemas que soluções.

"Geralmente, não é para fazer nada com o bebê, são cacoetes de procedimentos, uma esteira de linha de produção. A criança não precisa ser pesada na hora, não vai diminuir ou aumentar de tamanho nas próximas duas horas. O bebê precisa de vínculo, tem muita oxitocina e precisa se apaixonar pela mãe – e vice-versa", analisou a pediatra e neonatologista Ana Paula Caldas após a pré-estreia.
A ginecologista e obstetra Carla Andreucci, que falou no debate em São Paulo, acredita que há um manejo excessivo dos bebês, com colírio nos olhos, antisséptico nos genitais, aspiração no nariz e sonda retal – em vez de esperar a primeira evacuação para ver se está tudo bem com a criança.  "A ausculta do coração, (a verificação) dos sinais vitais, tudo isso pode ser feito no colo da mãe", diz.
Parto em casa
O documentário aborda, ainda, a vontade de muitas mulheres terem parto normal e longe do ambiente hospitalar. Segundo o filme, 1% dos partos realizados atualmente no Brasil ocorre em casa. E os especialistas ouvidos reforçam que esses casos devem ser gestações de baixo risco e que, ao desconfiar de algum problema, a paciente deve ser encaminhada para um hospital.

"O lugar mais adequado para a mulher ter seu filho é, segundo a OMS, onde ela se sente segura. Para muitas mulheres, o lugar mais seguro é a sua casa; para outras, é uma casa de parto; e para outras vai continuar sendo o hospital. E todas elas têm que ser contempladas pelo nosso sistema de saúde", avalia o obstetra Ricardo Jones.
Segundo a antropóloga Robbie Davis-Floyd, 20% dos partos na Holanda em 2011 foram domiciliares, e a taxa de cesarianas no país é de 15%.
"No mundo, o ideal seriam as parteiras profissionais atenderem de 70% a 80% dos partos, e os obstetras, de 20% a 30%", afirma Robbie.
A OMS considera profissionais habilitados para assistência ao parto os médicos obstetras, os médicos da família, as enfermeiras obstetras e as parteiras formadas ou obstetrizes, enumera a obstetra Melania Amorim.
Soluções possíveis
Para Érica de Paula, que realizou o filme ao lado do marido, Eduardo Chauvet, e atua como doula (assistente de parto) desde 2009, é difícil falar em uma única solução para o problema do excesso de cesarianas e da falta de humanização nos nascimentos, pois ele tem muitas causas.

"As mulheres precisam se informar mais, aumentar a demanda pelo parto normal, os profissionais devem ter uma visão mais fisiológica do processo, e o governo e as agências reguladoras precisam fazer pressão para que haja uma indicação real de cesariana", diz Érica.
A ginecologista e obstetra Carla Andreucci concorda: "A mudança das mulheres é mais fácil do que mudar os profissionais, que já estão inseridos no mercado".
Cidades de estreia
"O renascimento do parto" estreia nesta sexta-feira (9) em São Paulo, Sorocaba, Campinas, Indaiatuba, Brasília e Rio de Janeiro. No dia 16, o filme será lançado em Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba;  e no dia 23 começará a ser exibido em Belo Horizonte, João Pessoa e Salvador.

Segundo o diretor Eduardo Chauvet, o documentário teve orçamento de R$ 142 mil com recursos de crowdfunding (financiamento coletivo) e foi selecionado para festivais de cinema da Colômbia, do México, doa EUA e da China. A ideia agora é distribuir milhares de cópias de DVD para centros de saúde e criar uma série de TV com episódios de 30 minutos.
Fonte: G1

Comentários

Populares

UFF Responde: Hanseníase

  A hanseníase carrega um histórico marcado por preconceito e exclusão. Por décadas, pacientes foram afastados do convívio social, confinados em colônias devido ao estigma em torno da doença. Hoje, embora os avanços no diagnóstico e no tratamento tenham transformado essa realidade, o combate ao preconceito ainda é um desafio. No Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase, neste ano celebrado em 26 de janeiro, a campanha do “Janeiro Roxo” reforça a importância da conscientização, do diagnóstico precoce e da adesão ao tratamento gratuito oferecido pelo SUS, que ajuda a desconstruir mitos e ampliar o acesso à saúde. Em 2023, de acordo com o Ministério da Saúde, foram registrados 22.773 novos casos da doença no Brasil. Por isso, a Estratégia Nacional para Enfrentamento à Hanseníase, estabelecida para o período 2024-2030, trouxe metas importantes, como a capacitação de profissionais de saúde e a ampliação do exame de contatos, que visam à eliminação da hanseníase como problema de...

Morte de turista no Cristo Redentor: cardiologista explica como um desfibrilador poderia ter evitado a tragédia

  A morte do turista gaúcho Jorge Alex Duarte, de 54 anos, no Cristo Redentor, no último domingo, trouxe à tona a falta de estrutura para atendimentos de emergência em um dos principais cartões-postais do Brasil. Jorge sofreu um infarto fulminante logo após subir parte da escadaria do monumento, mas não havia socorristas nem um desfibrilador disponível no local. Para o cardiologista e professor do Curso de Medicina da Unig, Jorge Ferreira, o uso rápido do equipamento poderia ter feito toda a diferença no desfecho da tragédia. "O desfibrilador é o principal aparelho que precisa estar disponível em casos de parada cardíaca. Ele funciona como um relógio da sobrevida: a cada minuto sem atendimento, as chances de sobrevivência diminuem. Se o paciente tiver um ritmo chocável (quando é necessário um choque elétrico para voltar à normalidade), o desfibrilador pode aumentar significativamente as chances de salvá-lo", explica o médico, que também é coordenador do Laboratório de Habili...

Anvisa aprova 1ª insulina semanal do país para o tratamento de diabetes tipo 1 e 2

  A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, nesta sexta-feira (7) a primeira insulina semanal do mundo para o tratamento de pacientes com diabetes tipo 1 e 2. O medicamento insulina basal icodeca é comercializado como Awiqli e produzido pela farmacêutica Novo Nordisk, a mesma que produz Ozempic. A aprovação foi baseada nos resultados de testes clínicos que mostraram que o fármaco é eficaz no controle dos níveis de glicose em pacientes com diabetes tipo 1, alcançando controle glicêmico comparável ao da insulina basal de aplicação diária. Os pacientes que utilizarama insulina basal icodeca mantiveram níveis adequados de glicemia ao longo da semana com uma única injeção. O medicamento também demonstrou segurança e controle glicêmico eficaz, comparável ao das insulinas basais diárias, em pacientes com diabetes tipo 2. A insulina icodeca permitiu um controle estável da glicemia ao longo da semana com uma única injeção semanal, sendo eficaz em pacientes com diferentes ...

Vacina brasileira contra dengue estará no SUS em 2026, diz governo

  O governo anunciou, nesta terça-feira, a incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) da primeira vacina brasileira contra a dengue de dose única, produzida pelo Instituto Butantan. Isso vai valer a partir de 2026. O imunizante será destinado para toda a faixa etária de 2 a 59 anos e será produzido em larga escala, de acordo com o governo. O anúncio foi feito em cerimônia com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Segundo o governo, a partir do próximo ano, serão ofertadas 60 milhões de doses anuais, com possibilidade de ampliação do quantitativo conforme a demanda e a capacidade produtiva. Fonte: Jornal Extra

UFF Responder: Dengue

 🦟 A elevação do número de casos de dengue no Brasil tem sido motivo de preocupação no âmbito da saúde pública. Entretanto, com a campanha de vacinação, a esperança é que a população esteja imunizada e que a mortalidade caia.  🤔 Para esclarecer as principais dúvidas acerca da dengue, conversamos com a professora Cláudia Lamarca Vitral, do Departamento de Microbiologia e Parasitologia da UFF. 💬 A docente aborda temas como as razões para o aumento dos casos, as diferenças entre os sorotipos do vírus, sintomas, infecções simultâneas e as principais medidas no combate à proliferação da doença. Além disso, também elucida questões sobre a tão esperada vacina. Leia a matéria completa pelo link: https://bit.ly/3SuOZXV #UFFResponde