Um estudo desenvolvido por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) aponta uma metodologia que pode facilitar o diagnóstico e o acompanhamento de pacientes infectados com a bactéria causadora da tuberculose. Combinando dois testes comercialmente disponíveis, a técnica é capaz de diferenciar casos de infecção latente – nos quais a bactéria é controlada pelo sistema imune e permanece ‘adormecida’, sem provocar adoecimento – e a forma ativa da doença – onde o paciente apresenta os sintomas do agravo, como tosse, febre e emagrecimento.
“Considerando as tecnologias disponíveis atualmente, essa metodologia pode ser a base para a produção de um teste rápido do tipo ‘lab on a chip’ [laboratório em um chip], para fornecer resultado em poucas horas, a partir de um pequeno volume de sangue, em unidades básicas de saúde ou em localidades com poucos recursos”, afirma Geraldo Pereira, pesquisador do Laboratório de Microbiologia Celular do IOC e um dos coordenadores do estudo.
De acordo com os autores, além de confirmar a infecção latente, a metodologia pode auxiliar no diagnóstico dos casos de tuberculose extrapulmonar – isto é, que afetam órgãos diferentes do pulmão e podem ser difíceis de identificar, como a tuberculose pleural e a meningite tuberculosa. Além disso, pode contribuir para o monitoramento da terapia. Financiado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), o estudo foi publicado na revista científica ‘Memórias do Instituto Oswaldo Cruz’.
Em busca da precisão
A distinção entre tuberculose latente e ativa é importante para a realização do tratamento adequado. No entanto, os exames disponíveis atualmente indicam apenas que os pacientes foram infectados pelo Mycobacterium tuberculosis, sem apontar se a bactéria está ‘dormente’ ou em atividade. Isso faz com que os médicos precisem correlacionar diversos fatores para chegar ao diagnóstico, incluindo avaliação clínica, histórico de contato com a doença, análises bacteriológicas e exames de imagem. “É uma avaliação que exige grande contato entre médico e paciente e pode ter fatores subjetivos. Por isso, buscamos moléculas que possam ser utilizadas como biomarcadores, sinalizando a ativação da doença”, comenta Luciana Rodrigues, coordenadora do Laboratório de Imunopatologia da Uerj e uma das autoras da pesquisa.
Biomarcador
Durante processos inflamatórios, os neutrófilos (um tipo de célula de defesa do organismo) mobilizam uma proteína chamada CD64. Os pesquisadores observaram que nos pacientes com tuberculose pulmonar ativa, essas células apresentam altos índices da molécula em sua superfície, enquanto nos indivíduos com infecção latente, os níveis são reduzidos. A pesquisa confirmou que a expressão de CD64 em neutrófilos pode ser utilizada como critério para diferenciar os casos de infecção latente da forma ativa da doença. Dessa forma, os cientistas estabeleceram um protocolo combinando dois testes: primeiro, o ensaio de produção de interferon-gama (conhecido pela sigla em inglês Igra), que indica a infecção pelo M. tuberculosis; depois, a expressão de CD64 em neutrófilos, biomarcador que aponta a ativação da doença.
“Combinando os dois testes conseguimos diferenciar a infecção latente da doença ativa”, ressalta Raquel Corrêa, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da Uerj e primeira autora do artigo. Os pesquisadores observaram ainda que os níveis de CD64 caem após o tratamento da tuberculose pulmonar, o que sugere que o exame pode auxiliar no monitoramento da eficácia da terapia.
Resultados promissores
Para avaliar a metodologia, foram realizados testes em amostras referentes a 53 pacientes atendidos no Serviço de Pneumologia e Tisiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe/Uerj), sob a supervisão dos professores Rogério Rufino Alves, Helio Ribeiro de Siqueira e Domenico Capone. O estudo incluiu voluntários sem infecção, com infecção latente pelo M. tuberculosis e com tuberculose pulmonar ativa, antes e após o tratamento. Além de apresentar alta sensibilidade (86,67%) e especificidade (87,50%) para estabelecer o diagnóstico de doença ativa, a metodologia mostrou-se capaz de fornecer resultados em um dia.
Segundo os pesquisadores, ensaios com maior número de pacientes de diferentes localidades devem ser conduzidos para validar a metodologia, mas os resultados são promissores. “Esses resultados são significativos porque foram observados em condições reais. Considerando os testes em amostras de pacientes do estado do Rio de Janeiro, um dos mais afetados pela tuberculose no Brasil, a metodologia apresentou ótima performance”, destaca Verônica Schmitz, pesquisadora do Laboratório de Hanseníase do IOC, que também coordenou o trabalho.
Potencial para saúde pública
Segundo o Ministério da Saúde, o diagnóstico e o tratamento da infecção latente estão entre as principais estratégias para o controle da tuberculose no Brasil. A medida tem duplo objetivo: proteger a saúde individual, evitando o adoecimento, e interromper a cadeia de transmissão, uma vez que as pessoas com tuberculose pulmonar que não estão em tratamento disseminam a bactéria por meio da tosse. “É importante destacar que esse trabalho foi realizado por pesquisadores de duas instituições públicas e financiado com recursos públicos, tendo como foco um problema de saúde da nossa população”, enfatiza Geraldo Pereira.
Os autores do trabalho ressaltam que a metodologia pode contribuir ainda para o diagnóstico de casos complexos de tuberculose. Segundo Rogério Rufino Alves, coordenador do Serviço de Pneumologia e Tisiologia do Hupe e coautor do estudo, a identificação da bactéria em amostras do paciente é a forma definitiva de confirmação da doença. No entanto, o diagnóstico bacteriológico pode ser difícil quando o M. tuberculosis se aloja em órgãos diferentes do pulmão. “Na tuberculose pulmonar, a bactéria costuma ser identificada no exame de escarro. Porém, na tuberculose hepática, que afeta o fígado, é preciso realizar biópsia para o exame. O procedimento é ainda mais sensível quando a doença atinge órgãos neurológicos, como no tuberculoma cerebral e na meningite tuberculosa. Em todos esses casos, marcadores imunológicos de diagnóstico, detectados em amostras de sangue, podem acelerar o início do tratamento”, aponta.
Impacto global e local
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a tuberculose é uma das dez maiores causas de morte no mundo. Em 2017, foram notificados dez milhões de casos da doença, com 1,6 milhões de óbitos no planeta. De acordo com o Ministério da Saúde, 75 mil casos e 4,5 mil mortes foram registrados no Brasil em 2018. Alvo da pesquisa, o Rio de Janeiro apresentou a segunda maior taxa de incidência do agravo no território nacional, com 11,7 mil casos, atrás apenas do Amazonas. O estado também contabilizou 703 mortes, registrando uma das maiores taxas de mortalidade, ao lado de Pernambuco.
Associada à pobreza e à exclusão social, a tuberculose afeta de forma mais intensa populações vulneráveis, incluindo indígenas, pessoas em situação de rua e privadas de liberdade, além de pacientes com sistema imune enfraquecido, como portadores do HIV.
Na maioria dos casos, a bactéria ataca o pulmão, e a tosse é o principal sintoma. Segundo o Ministério da Saúde, todas as pessoas com tosse por mais de três semanas devem procurar atendimento médico para avaliar a possibilidade de infecção. Os pacientes também podem apresentar febre (geralmente ao final da tarde), excesso de suor (principalmente à noite), emagrecimento e cansaço. O tratamento dura, no mínimo, seis meses, e é feito com combinações de antibióticos fornecidas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Nos casos de infecção latente, a terapia pode ser realizada com um único medicamento.
Fonte: Fiocruz
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