O mundo tem conseguido evitar mortes prematuras, mas as pessoas têm
vivido mais e mais doentes, segundo o Estudo sobre a Carga Global das
Doenças (GBD, na sigla em inglês) 2010, um projeto colaborativo liderado
pelo Instituto de Métrica e Avaliação da Saúde (IHME, na sigla em
inglês), da Universidade de Washington, nos EUA.
Os resultados serão anunciados nesta sexta-feira (14) pela Sociedade
Real de Londres e também aparecerão neste sábado (15) na revista
científica "The Lancet", que pela primeira vez em sua história vai
dedicar uma edição inteira a uma única pesquisa. Ao todo, são sete
artigos científicos e comentários sobre os maiores desafios mundiais na
área da saúde.
Segundo o levantamento, o mundo tem passado por grandes mudanças desde a
década de 1990, quando foi feita a primeira edição do GBD. De lá para
cá, a população global tem envelhecido mais, a incidência de doenças
infecciosas e desnutrição infantil tem caído, e – com exceção da África
Subsaariana –, as pessoas estão mais propensas a ter uma vida adulta
pouco saudável, por causa do sedentarismo e da má alimentação.
Essa "carga de saúde" definida pelo GBD está mais ligada ao que nos faz
mal, e não ao que está nos matando. O maior contribuinte para isso
costumava ser a mortalidade precoce – que atingiu mais de 10 milhões de
crianças menores de 5 anos –, mas agora a realidade é outra, com mais
doenças crônicas (como asma, pressão alta, infarto, derrame, obesidade,
diabetes, fumo, alcoolismo e câncer), lesões nos músculos e ossos (como
osteoporose) que causam invalidez e mortes, e problemas mentais. E esse
número cresce à medida que as pessoas vivem mais.
O estudo aponta ainda que, enquanto os países têm feito um ótimo
trabalho para combater doenças fatais, principalmente as
infectocontagiosas (como a Aids), a população mundial está vivendo com
mais problemas de saúde que causam dor, prejudicam a mobilidade e
capacidades como a visão, a audição e o funcionamento cerebral.
De acordo com o diretor do IHME, Christopher Murray, pouquíssimos
indivíduos estão vivendo em perfeitas condições de saúde e, com a idade,
a maioria acumula doenças.
"Deveríamos recalibrar o que a vida será para nós quando tivermos 70 ou
80 anos. Isso também tem profundas implicações para os sistemas de
saúde, visto que eles definem prioridades", disse.
Mais de 300 instituições envolvidas
O atual GBD começou a ser feito em 2007 e contou com a colaboração de 302 instituições em 50 países – sendo 26 de baixa e média rendas. Entre as entidades participantes, estão a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard, a Faculdade de Saúde Pública Bloomberg da Universidade Johns Hopkins, o Imperial College de Londres, a Universidade de Tóquio e a Universidade de Queensland, na Austrália.
O projeto foi inicialmente financiado pelo Banco Mundial e, depois,
pela Fundação Bill & Melinda Gates. Ao todo, 486 pesquisadores
participaram desse trabalho científico para quantificar os níveis e as
tendências de problemas de saúde no mundo.
Os autores usaram registros, pesquisas, censos e análises de ensaios
clínicos disponíveis. Com isso, conseguiram mapear a atual situação em
cada local, desde os casos de Aids até de deficiência nutricional de
substâncias como zinco. Novas ferramentas de avaliação foram
desenvolvidas para preencher as lacunas de informações nos países em que
elas eram escassas. Os métodos foram testados usando estimativas de
lugares onde há dados mais facilmente disponíveis, como EUA e Japão. As
estatísticas sobre doenças do coração se mostraram mais abundantes que
as de coqueluche, por exemplo.
O GBD conseguiu, então, produzir 650 milhões de estimativas sobre desafios de saúde grandes e pequenos.
"Além de o GBD oferecer descobertas epidemiológicas significativas, que
vão moldar os debates políticos em todo o mundo, ele delineia as
lacunas sobre o conhecimento existente sobre doenças e traça novas
maneiras de melhorar a coleta e a análise de dados de saúde pública",
disse Paul Farmer, presidente do Departamento de Medicina Global e
Medicina Social da Faculdade de Medicina de Harvard.
Mortes entre adultos e crianças
O estudo também destaca que, apesar de importantes avanços como a queda na mortalidade infantil, doenças como diarreia causada por rotavírus e sarampo são responsáveis pela morte de mais de 1 milhão de crianças com menos de 5 anos por ano no mundo, apesar de existirem vacinas eficazes contra os dois problemas.
Além disso, o que mais chamou a atenção dos especialistas é que o
número de mortes entre adultos de 15 a 49 anos cresceu 44% no período de
1970 a 2010. O resultado é, em parte, pelo aumento da violência e pela
elevação contínua dos casos de HIV, que mata mais de 1,5 milhão de
pessoas por ano em todo o mundo.
Os riscos associados à dieta e ao sedentarismo, como excesso de peso e
altas taxas de açúcar no sangue, são responsáveis por 10% da carga de
doenças globais e só tendem a aumentar.
Segundo os cientistas, grande parte da carga na saúde é causada por um
grupo relativamente pequeno de doenças. Os pesquisadores examinaram mais
de 300 enfermidades, lesões e fatores de risco, e descobriram que
apenas 50 causas diferentes eram responsáveis por 78% da carga global de
doenças – 18 delas respondiam por mais da metade do total.
As doenças isquêmicas do coração, como o infarto, e o acidente vascular
cerebral (AVC) foram as duas maiores causas de mortes no mundo entre
1990 e 2010. Problemas como diabetes, câncer de pulmão e doença pulmonar
obstrutiva crônica também subiram, enquanto casos de diarreia,
tuberculose e infecções respiratórias nas vias aéreas inferiores
(traqueia, brônquios e bronquíolos) caíram.
Entre as doenças que provocam mortes prematuras e incapacidade, houve
outra mudança: a encefalopatia neonatal – doença cerebral fatal em
recém-nascidos – e a desnutrição infantil deixaram de estar entre as dez
principais causas de óbitos entre 1990 e 2010, e foram substituídos por
lesões decorrentes de acidentes de trânsito e dor na coluna lombar.
Diferenças continentais
O GBD 2010 observou que a lacuna na área da saúde entre a África Subsaariana e o resto do mundo está aumentando. Na porção austral da África, ainda há mais incidência de doenças infecciosas, infantis e mortes maternas, que chegam a 70% da carga das doenças. No Sul da Ásia e na Oceania, esse peso é de 30% e nas demais regiões do planeta, menos de 20%.
Além disso, a idade média de morte subiu mais de 25 anos na América
Latina, na Ásia e no Norte da África em 40 anos, e na África Subsaariana
cresceu menos de 10. E doenças que têm sido tradicionalmente
considerada "ocidentais", também têm se elevado entre os africanos, como
dores, ansiedade, depressão e outros distúrbios mentais.
Os pesquisadores esperam agora que os governos atentem para esses
resultados e deem mais atenção para problemas negligenciados, como foram
os casos de malária anunciados pelo GBD de 1990. Segundo os
coordenadores, a ferramenta deve servir para líderes e ministros da
Saúde se preparar para os desafios, sem deixar que o impacto sobre as
economias mundiais afete os investimentos.
Fonte: G1
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