Novo vice-diretor executivo da Unaids (Programa das Nações Unidas para
HIV/ Aids), o epidemiologista brasileiro Dr. Luiz Loures tem como
desafio central levar a epidemia de Aids ao fim. Apesar de saber que os
obstáculos ainda são grandes, ele acredita que dentro de 15 anos o mundo
conseguirá vitória contra o amedrontador vírus do HIV.
Na linha de frente da luta contra a Aids, o médico pioneiro em tratar
pacientes com a doença no Brasil coloca o País como exemplo de políticas
públicas bem-sucedidas. “Do meu ponto de vista, é onde existem as
políticas mais inclusivas e abrangentes em relação à Aids”, observou em
entrevista ao R7. Segundo o especialista, a inclusão da
sociedade no debate sobre a epidemia de Aids e a manutenção de seus
programas com dinheiro público contribuíram para que o Brasil se
tornasse um exemplo positivo, assim como são países da África, como
Quênia e África do Sul.
Há 16 anos na Unaids, cuja sede se encontra em Genebra, ele vê como
crítico o quadro de lugares como o leste europeu, onde a propagação do
vírus da Aids está intimamente relacionada ao uso de drogas injetáveis.
“Do ponto de vista do usuário de drogas, não se pode tratá-lo como
problema de polícia. Ele deve ser tratado como problema de saúde”,
protesta, ao avaliar o preconceito como um dos maiores entraves a
políticas públicas contra a Aids. “O mesmo acontece em países onde
homossexuais masculinos não têm liberdade ou até têm medo de dizer qual é
a sua preferência sexual, quando correm risco de serem presos ou
sujeitos à pena de morte”.
Hoje, lembra Loures, são 8 milhões de infectados pelo HIV em
tratamento. O número está longe do ideal, mas já representa uma vitória:
pela primeira vez na história há mais pessoas em tratamento do que
esperando na fila. Ainda assim, ele alerta, a luta não terminou.
“Precisamos colocar mais 7 milhões em tratamento até 2015, e esse é um
grande desafio. A epidemia não terminou e não se pode baixar a guarda.”
R7 — Quais os desafios da Aids hoje no mundo?
Dr. Luiz Loures — O desafio central hoje é levar a
epidemia ao fim, já que existe a possibilidade concreta de finalmente se
chegar ao fim dela. Não hoje, mas dentro de um período de 15 anos
acredito que seja possível isso acontecer. Mas, para que se chegue ao
fim, há algumas ações em curso que têm de ser intensificadas nesse
momento.
R7 — Por que a Aids ainda faz tantas vitimas no mundo?
Dr. Luiz Loures — Basicamente porque não é somente um
problema de saúde, mas também um problema social importante. O avanço em
tratamentos, sem dúvida, é a historia positiva da Aids.Talvez a gente
tenha avançado mais com a doença do que em relação a qualquer outro
desafio dessa dimensão na história. Conseguimos progredir muito em um
período de 30 anos. No entanto, esse avanço não é aplicado da mesma
forma em todos os locais, existe um problema de equidade. Nos países
mais pobres é onde existe mais Aids e há mais desafios, principalmente
em relação aos grupos mais vulneráveis, seja homossexuais masculinos,
usuários de droga ou trabalhadores sexuais.
R7 — A que se deve isso, na sua opinião?
Dr. Luiz Loures — Os avanços a esses grupos não são
suficientes. Fundamentalmente, por causa da questão da discriminação. É
muito difícil convencer autoridades políticas do país a implementar
programas dirigidos a essas populações. Veja, por exemplo, a situação da
parte leste da Europa, onde a epidemia é principalmente associada ao
uso de drogas endovenosa. É a região onde as taxas de tratamento são as
mais baixas do mundo, por volta de 22%, mesmo tratando-se de países com
desenvolvimento mais avançado do que países da África ou América Latina.
A região ainda não consegue avançar no tratamento por causa da
discriminação em relação a usuários de drogas endovenosas, que deveriam
ser primariamente aqueles com mais acesso.
R7 — Quais os países sinônimos de bom exemplo?
Dr. Luiz Loures — Acho que o Brasil seria o melhor
exemplo no mundo.O País tem, do meu ponto de vista, as políticas mais
inclusivas e mais abrangentes em relação à Aids. Isso pela sua história,
mas, principalmente, pela inclusão da sociedade no controle e no debate
sobre a Aids. Você tem exemplos positivos na África, que é região mais
afetada. Eu citaria como bom exemplo também a África do Sul, onde existe
o maior número de pessoas infectadas. O país quase reverteu a tendência
que, há poucos anos, era catastrófica, de falta de tratamento e
transmissão extremamente alta. O país ainda enfrenta desafios, mas
avançou muitíssimo em relação a acesso e tratamento. Lá se trata de
questão de decisão política, que não existia antes e existe hoje. E
também outros países muito afetados na África, como Botsuana que tinha
uma das taxas mais altas do mundo, Quênia e Senegal têm avançado de
forma consistente no controle da Aids. Por decisão politica,
investimento certo que estão caminhando, apesar dos desafios.
R7 — E aqueles que estão em condição mais crítica?
Dr. Luiz Loures — Exemplos menos positivos onde a
gente vê mais desafios eu citava a Europa do leste. Na maior parte dos
países dessa região, como o uso de drogas é predominante na transmissão
do vírus da Aids, há dificuldade em relação às políticas necessárias. Do
ponto de vista do usuário de drogas, não se pode tratá-lo como problema
de polícia. Ele deve ser tratado como problema de saúde. Não estou
falando sobre o tráfico de droga, mas sim sobre o usuário de droga. O
indivíduo que usa droga é um caso de saúde e não de policia. E nesses
países, infelizmente, ainda existe uma tendência repressiva em relação
ao usuário de droga, o que limita o desenvolvimento de qualquer politica
de tratamento e prevenção. Se você é identificado como usuário de droga
e corre o risco de ser preso, claro que não vai buscar um serviço de
saúde de forma aberta. Isso é muito claro de se ver.
O mesmo acontece em países onde existe alta discriminação em relação a
gays. Não tem como pensar que programas de prevenção serão efetivos
nessa população se os homossexuais masculinos não têm liberdade ou até
têm medo de dizer qual é a sua preferência sexual, quando eles correm
risco de serem presos ou sujeitos à pena de morte.
R7 — Quais politicas públicas do Brasil são exemplos para outros países?
Dr. Luiz Loures — O Brasil foi o primeiro país no
mundo a começar a tratar Aids entre países em desenvolvimento. É um
pioneirismo que possibilitou em verdade que a gente esteja hoje onde
estamos do ponto de vista do tratamento. Hoje a África trata mais do que
qualquer outro continente, mas o país pioneiro que demonstrou que era
possível tratar, mesmo ainda em desenvolvimento, foi o Brasil. A
distribuição do coquetel pelo governo é um exemplo que ainda hoje segue
como orientação e direção ao mundo como um todo. Mas, mais do que isso, a
inclusão social das políticas de Aids, a inclusão da sociedade civil e
de representações dos grupos mais vulneráveis sempre foram um aspecto do
programa brasileiro que ainda serve como exemplo. Resumindo, é uma
combinação de decisão politica, manejo da Aids e inclusão da sociedade
nesse processo. Hoje, minha principal esperança é que o Brasil seja o
primeiro país a declarar o fim da epidemia de Aids em um futuro próximo.
R7 — E por que o Brasil pode ser o primeiro a derrotar a Aids?
Dr. Luiz Loures — Basicamente porque começou antes, é
uma questão histórica. O Brasil foi o primeiro país a começar a tratar, e
hoje sabemos que quanto mais se trata menos transmissão do vírus
existe. Quem trata não transmite. O primeiro aspecto é o fato de o
Brasil ter começado muito cedo. Hoje as políticas brasileiras estão
consolidadas, existe uma grande experiência acumulada. Eu mencionaria
ainda, de forma muito particular, a liderança do ex-ministro da Saúde
Alexandre Padilha, que tem uma preocupação e envolvimento profundo e de
grande seriedade em relação à Aids. Ele entende a dimensão da epidemia
em um país complexo como o Brasil. E essa decisão politica é fundamental
para começar e poder mobilizar recursos financeiros.
Aliás, o Brasil se diferencia de outros países do ponto de vista de
financiamento. Os programas de Aids no Brasil são pagos através de
recursos nacionais e não internacionais. Isso é da maior importância.
Existem outros países no mundo que têm uma grande dependência em relação
a recursos internacionais, o que coloca em questão a sustentabilidade
desses programas a longo prazo. O Brasil sempre investiu primariamente
com seus recursos próprios, o que me permite dizer que hoje o País tem
condições de manter suas políticas porque não depende de recurso
estrangeiro. Essa também é uma razão que me leva a pensar que o Brasil
pode ser o primeiro país a declarar o fim da epidemia de Aids se
continuar no curso em que está e intensificar ações em algumas regiões
do País são mais difíceis e em relação a populações que podem necessitar
de mais atenção.
R7 — O que acha do medicamento Truvada?
Dr. Luiz Loures — Sem dúvida, é uma promessa. O uso de
drogas de tratamento, para prevenir a Aids, como no caso do Truvada
pode ser uma opção, desde que seja feito de forma cuidadosa e indicada
em situações específicas. Mas, sem dúvida, o uso de antirretroviral para
prevenção pode ser parte de programas mais amplos, principalmente para
populações de maior risco em relação ao HIV. Não pode, no entanto, ser
recomendado de modo isolado. Deve ser parte de um conjunto, sem esquecer
os métodos preventivos. Nada melhor do que a camisinha, que continua
sendo o instrumento básico e mais importante para se prevenir Aids.
Aliás, esse é um outro exemplo do Brasil, que nunca discutiu se iria
promover ou não a camisinha. Em muitos outros países isso não foi
realidade. Por influências morais ou da Igreja, a questão da camisinha
foi difícil. Não foi o caso do Brasil, que desde muito cedo foi
pragmático e pensou: temos de usá-la para salvar vidas. Essa é um ponto
fundamental.
R7 — O senhor assumiu um novo cargo na Unaids. Quais os desafios nesse novo posto?
Dr. Luiz Loures — São os que te descrevi do ponto de
vista de políticas, porque, a partir da minha posição agora, tenho a
responsabilidade de coordenar os programas a nível mundial. Então a
aplicação dessas politicas é o maior desafio que tenho. E, nesse
momento, em um período mais curto, o desafio é ampliar o tratamento.
Hoje há 8 milhões de pessoas em tratamento, ou seja, pela primeira vez
há mais gente em tratamento do que gente esperando na fila. Mas
precisamos colocar mais 7 milhões em tratamento até 2015, e esse é um
grande desafio. Para isso deve ser clara a mensagem para que os países
entendam que a Aids não acabou. A epidemia não terminou e não se pode
baixar a guarda. Pelo contrário, temos de intensificar as ações que
estamos desenvolvendo. Aí, talvez em um período viável, poderemos
celebrar o fim da epidemia. Acho 15 anos um número razoável do ponto de
vista global. O Brasil ou países mais avançados podem atingir isso mais
cedo. É isso o que a gente espera.
Fonte : R7
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