A biblioteca pública de Niterói foi reformada recentemente por meio
de uma iniciativa do governo estadual, porém, o que pouca gente sabe é
que no próximo dia 3 de outubro, a unidade participará de um evento
internacional de incentivo à cultura em Washington, nos Estados Unidos,
representando o Brasil. Trata-se do “Local Alternatives for Global
Development: Rediscovering Libraries”, projeto encabeçado pela
instituição Beyond Access, acreditando no desenvolvimento através da
democratização dos espaços de leitura que, de acordo com eles, promovem
acesso à informação.
O convite para que a biblioteca fosse inscrita no processo seletivo
da premiação aconteceu durante os eventos da Rio+20, em junho, e foi
feito por dois integrantes da instituição que visitaram,
espontaneamente, o prédio de Niterói. O motivo da procura dos
estrangeiros, de acordo com a diretora Glória Blauth, foi por ter “algo
muito bom acontecendo aqui”.
O mesmo sentimento dos estrangeiros é compartilhado pelo funcionário
público Marcos Rogério, de 41 anos, concurseiro há dois. Desde que a
biblioteca foi reinaugurada, julho de 2011, ele vem quase que
diariamente. Pega os livros, ajeita a poltrona do hall para não
incomodar ninguém, grava os textos no celular e leva para escutar
durante o trabalho no dia seguinte.
“Saio do trabalho e venho estudar aqui, por isso, me senti valorizado
com o novo horário de funcionamento. Antes, fechava às 17 horas e eu
não conseguia chegar a tempo e também não conseguia estudar em casa. É
preciso construir um ambiente ideal para isso e aqui é o melhor lugar. A
qualidade e a quantidade de material também cresceram muito”, avalia
Marcos.
No comando das atividades da biblioteca há 12 anos, Glória Blauth diz
que seu trabalho não seria satisfatório se não fossem seus companheiros
de equipe. Angela Lombardo, por exemplo, chegou lá para trabalhar como
bibliotecária e hoje ocupa o lugar de mediadora de leitura no espaço
conhecido por “ludoteca”, onde as crianças brincam, escolhem livros,
leem, pintam e acessam a Internet.
“Outro dia, uma menina de 8 anos me pediu para comemorarmos o
aniversário dela aqui. Fizemos uma reuniãozinha com os visitantes e ela
disse que nunca havia tido uma festa tão feliz. Também tivemos o filho
que trouxe a mãe para passarem o Dia das Mães juntos na biblioteca.
Diga-me se isso não é uma forma de leitura?”, indaga Angela, que também é
produtora cultural e responsável por colocar fim na prática dos jovens
de “matar aula” para ficar nos computadores da biblioteca.
Todas as gerações
Depois de conhecer os novos espaços da biblioteca no dia da
inauguração, Mariza Quintanilha, de 64 anos, ficou encantada e resolveu
trazer a filha Hericka e a neta Juliana, de 8 anos, para desvendarem os
mistérios do prédio histórico localizado na Praça da República, um dos
marcos arquitetônicos da região, no centro da cidade.
“Assim que trouxe minha filha e minha neta, mandei avisar aos
coleguinhas na escola da Juliana que estava tudo mudado. Disse que eles
precisavam visitar e conhecer o espaço também. Viemos em um grupo
imenso, todos fizemos cadastros – fomos os primeiros –, além de um
piquenique no jardim, teve contação de história e as crianças ficaram
encantadas com tantas cores e possibilidades. Este lugar é mágico”, diz
Mariza.
Juliana virou “fã de carteirinha”, literalmente. A partir da
convivência quinzenal nos espaços culturais, trazendo sempre o pai e a
mãe, ela passou a se interessar muito mais pela leitura, inclusive nas
aulas da escola. Primeiro, compartilhavam de atividades em família e
depois cada um ia para sua área de interesse.
“Estou sempre lendo, e elas adoram quando prefiro ler que ver
televisão. Em casa, tenho meu cantinho de leitura e meus próprios
livros, mas vir aqui é diferente. Tem outro gostinho”, descreve a
menina.
Em um trabalho na escola, certa vez, o contato com os vários
ambientes foi o que fez Juliana se destacar entre os colegas. Ao
discutirem as dificuldades e vitórias conquistadas pelos deficientes
visuais, Hericka se lembrou dos livros em braille que havia visto com a
filha em uma das visitas à biblioteca. Correu até lá e solicitou os
exemplares destinados às crianças.
“É incrível o que podemos encontrar neste lugar. Os livros são
descritivos, falam de sensações, texturas, da suavidade das nuvens, as
folhas voando... Foi lindo poder contribuir desta maneira para a
formação da minha filha e dos colegas dela. É assim que esta equipe deve
se sentir – contribuindo para a democracia, para a diversidade”, avalia
Hericka.
Atualmente, a diretora Glória Blauth é quem mais realiza os passeios
com os visitantes novatos. Mas, na época em que o trio formado por avó,
filha e neta realizou a primeira visita guiada pela instituição, quem
acompanhou o grupo foi Jenaína Vasconcelos, a quem elas conferem o
“poder de encantamento” que as deixou seduzidas pela biblioteca.
“Nosso objetivo era transformar este espaço em entretenimento,
inclusão e diversão. Queríamos um lugar que fosse atraente para a
comunidade, com foco não só na pesquisa escolar, mas no hábito de ler.
Pretendemos, ainda, desenvolver alguns laboratórios aqui em Niterói e
outros projetos estão chegando, além das salas de leitura, das rodas de
conversa e de outros eventos. Não vamos parar”, diz Jenaína.
Comunidade inserida
As atividades para atrair a população não param de ser desenvolvidas
pelas equipes da mais nova “queridinha” de Niterói. Logo no início, elas
perceberam que a exigência de documentos para a permanência no local
poderia restringir o acesso aos livros. Para resolver o problema, se
associaram ao Centro de Referência Especializado para População de Rua
(Crepop), que se responsabilizou por providenciar a documentação
necessária para qualquer cidadão que desejasse frequentar a biblioteca.
Além disso, alguns dos visitantes mais assíduos usam o espaço para se
alimentarem, tomar banho e só depois ir até o prédio de leitura.
“Aqui, eles exercitam não só leitura, mas debatem, articulam,
conhecem autores, se aproximam da literatura como um todo. Tudo que
acontece aqui é consequência, é reflexo de uma magia que tem nos rodeado
desde que reestruturamos o prédio e revitalizamos nossos serviços.
Estamos de portas abertas”, orgulha-se Glória, que representará a equipe
na premiação em Washington.
Ocimar Machado é suboficial da Marinha e pode-se dizer que depois da
reforma ele “bate ponto” na sala de informática diariamente. Com 55 anos
e muita história para contar, ele afirma: “A biblioteca mudou minha
vida”.
“Antes da reforma eu não frequentava a biblioteca, não sentia que era
bem-vindo, que este lugar era feito para mim também. Nem consigo mais
imaginar como seria se não pudesse estudar para os meus cursos aqui. Não
posso nem dizer que não tenho computador em casa, porque aqui é minha
casa também. Todo mundo me conhece e hoje me sinto à vontade”, conta
Ocimar.
Excelente aliada na formação
Até agora, o livro preferido do menino Saulo Manassés, de 8 anos, é
“O traço e a traça” (Scipione, 2006), de Roseana Murray. Mas não dá para
garantir. Sempre é tempo de mudar a preferência.
“Ele pode pegar um livro e um DVD por vez”, explica André Luiz de Faria, 39, pai de Saulo.
Em casa, segundo André, nada de televisão – a não ser para assistir
aos filmes: só leitura, música e vídeos na Internet para não perder o
programa do Chaves.
“Adoro vir aqui para ler e estudar, que é mais fácil do que em casa.
Também pego livros na biblioteca da escola”, conta o menino
entusiasmado.
O pai, que trabalha com alpinismo industrial, quando começou a
frequentar a biblioteca e descobriu livros que gostava, não pensou duas
vezes antes de trazer o filho para compartilhar a experiência.
“Vir à biblioteca é mais uma das atividades que fazemos juntos, além
de escalar, mergulhar e olhar as constelações no céu. Acho importante
oferecer um pouco de tudo que é lúdico ao meu filho, só assim ele
conhecerá suas preferências e aptidões. Curtimos muitos momentos juntos e
a biblioteca funciona como mais uma plataforma de bons momentos”,
conclui.
Fonte : O Fluminense
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